Em junho de 2013 milhões foram às ruas, e muitos voltarão em 2014. É preciso extrais ensinamentos daquela experiência. |
Por Caio Botelho.
As Jornadas de Junho de 2013 mudaram o país. E a maior prova disso é que
ainda hoje discutimos os efeitos daquelas mobilizações e os prováveis rumos das
próximas que inevitavelmente irão ocorrer. Centenas de artigos, pesquisas e
debates já foram feitos, e são várias as interpretações encontradas desse
momento histórico: das mais pessimistas às mais otimistas; das mais
conservadoras às mais avançadas.
Já se afirma que em 2014 duas coisas certamente irão acontecer: a Copa
do Mundo de futebol e manifestações. Como uma vai influenciar a outra, se essas
mobilizações serão maiores ou menores do que as do ano passado ou quais serão
os seus resultados objetivos ainda são incógnitas que apenas o tempo e as
movimentações que serão feitas irão responder.
Mas pelo menos de uma coisa podemos ter certeza: tal como em 2013, esses
protestos estarão sob intensa disputa. Os setores conservadores mais uma vez
tentarão dar o tom e direcionar as justas inquietações do nosso povo - em
especial da juventude - para cumprir com seus objetivos. É uma disputa
desigual: eles têm o controle da mídia e ainda contam com uma bela ajuda de
correntes que se reivindicam de esquerda mas que, na prática, comportam-se como
forças satélites da direita.
Uma das mais claras demonstrações de que a “disputa de rumos” já começou
é pela palavra de ordem “não vai ter Copa!”, repercutida aos quatro cantos e
que, se vacilar, corre um sério risco de se tornar o mote principal das
jornadas que virão. Se alguém tem dúvidas sobre quem tem interesse nessa bandeira,
basta dar uma olhada na edição do jornal “Folha de São Paulo” do dia 5 de
janeiro: um dos principais artigos publicados tinha como título - adivinhem! -
“Não vai ter Copa!”.
A Copa do Mundo é um evento privado, realizado pela FIFA que, por sua vez,
está pouco se lixando para o povo brasileiro. É uma entidade corrupta que se
movimenta a partir de lucros bilionários e, para ela, a Copa é apenas o mais
rentável dos seus negócios.
Esse evento também possui suas contradições. Está claro que o modelo de
Arenas tem encarecido assustadoramente o preço dos ingressos e afastado o povo
desses espaços. Muitas obras de mobilidade urbana - a principal “herança” da
Copa - estão atrasadas e em muitas cidades sequer serão realizadas, como em
Salvador, onde seus quase três milhões de habitantes ainda não sabem o que é
andar de metrô. Sem contar com inúmeras outras limitações que são bem
conhecidas por todos nós.
Mas e aí? Considerando tudo isso parece que o mais correto a fazer é
mesmo dar uma banana para a FIFA e melar esse evento. Seria uma bela
demonstração de força do nosso povo. Certo?
Errado. Essa é uma visão simplista de um cenário que, por sua vez, é
marcado pela complexidade. E ter a capacidade de compreender o contexto em que
estamos inseridos e todos os interesses em jogo é fundamental para adotar um
posicionamento justo. É preciso, como nos ensinou Lênin, “fazer a análise
concreta da realidade concreta”.
Em primeiro lugar, o que deve decidir se devemos ou não apoiar uma causa
não é a “beleza” de suas bandeiras, mas os interesses de fundo que ela
representa. Uma greve de trabalhadores, por exemplo, parece ser uma coisa muito
bacana e que deve impreterivelmente contar com o apoio dos setores que se
identificam com as lutas populares, não é mesmo? Mas isso também valeria para
aquela greve de caminhoneiros chilenos que, em 1973, ajudou a criar as
condições para o fascista Augusto Pinochet dar um golpe em Salvador Allende e
instaurar uma das mais sanguinárias ditaduras já conhecidas?
A greve pela greve, como a manifestação pela manifestação, não levará a
lugar algum se seus resultados não produzirem avanços. Ou pior: levarão à
retrocessos históricos.
Nesse sentido, vamos exercitar nossa imaginação e prever uma hipótese em
que um verdadeiro caos se instala no Brasil, ao ponto da Copa ser cancelada ou
ter sua organização seriamente prejudicada. O que emergeria desse cenário? Essa
baita demonstração de força produziria avanços reais? Me parece que não.
Atualmente a presidenta Dilma Rousseff lidera todas as pesquisas de
intenção de voto, com uma provável vitória em primeiro turno. Apenas um abalo
sísmico de proporções catastróficas parece ter condições de mudar drasticamente
esse cenário. Algo como um fracasso da Copa do Mundo, por exemplo. E uma derrota
de Dilma não traria ao poder forças mais comprometidas com os interesses
populares, muito pelo contrário.
Derrotar a Copa é de interesse do que há de mais conservador,
reacionário e atrasado nesse país. É o objetivo da direita, que acalenta o
sonho de ver seu candidato vencer as eleições presidenciais ou melhor (para
eles): criar um clima que “justifique” uma intervenção, um golpe, tal como o
que apeou João Goulart da presidência em 1964. Se há uma lição básica a quem
quer construir lutas em defesa do povo é a de nunca subestimar a capacidade de
fogo do inimigo. É preciso muita ingenuidade para acreditar que a direita
brasileira possui qualquer compromisso com a democracia.
Isso não significa fechar os olhos para as contradições da Copa. Nesse
cabo de guerra onde muitas vezes em lados opostos encontram-se interesses do
povo versus interesses da FIFA, cabe à esquerda consequente fazer força
ao lado do povo, construindo e participando de suas lutas e contribuindo para
que elas resultem em avanços efetivos. Afinal, querer Hospitais e Escolas
“padrão FIFA” é um direito dos brasileiros.
Mas é preciso, também, defender os pontos positivos desse evento e não
cair no discurso fácil que a mídia tentará imprimir. Lutar contra as
contradições e promover as críticas necessárias não se confunde com fazer coro
ao campo conservador e ajudá-lo - conscientemente ou não - no seu intento de
voltar ao poder.
Serão bilhões injetados em nossa economia e um mundo inteiro assistindo
e conhecendo o nosso país. Realizar com sucesso a Copa é mostrar que o Brasil,
ao contrário do que diz a turma do complexo de vira-lata, tem, sim, condições
de realizar grandes eventos. É compreender também que não se faz luta com o
povo se apartando das coisas que esse povo valoriza. E o futebol é parte
inerente da identidade cultural dos brasileiros: está em nosso DNA.
O fato é que a disputa em 2014 será dura: tanto para a seleção dentro
das quatro linhas quanto para os que nas ruas e avenidas lutam por um Brasil
mais justo.
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