domingo, 5 de janeiro de 2014

Pela criação de um Museu do Machismo

Por Maíra Kubík Mano*
Há alguns anos, o governo equatoriano divulgou uma campanha brilhante chamada “Reacciona Ecuador – el machismo es violencia”. Em uma das propagandas [veja no final do artigo], um grupo de crianças visita um museu em 2045. Vestidas com roupas futuristas e guiadas por um cientista, elas se colocam diante de um esqueleto e ouvem a explicação sobre ele:
— Esse é um equatoriano de tipo machista. Viveu em uma época em que era considerado homem o que mais álcool consumia, batia na sua mulher ou tinha uma atitude desrespeitosa frente às mulheres. Poderia pertencer a qualquer classe social ou econômica. Graças à reação e à evolução da sociedade equatoriana, como vêem ele passou a ser parte de uma história que jamais irá se repetir.
“Que bom que se extinguiram”, diz um garoto aos colegas boquiabertos. E termina o anúncio.
Eu sei que é só publicidade, mas de tempos em tempos, fico imaginando que seria realmente uma boa ideia criar um Museu do Machismo. Temos museus para relembrar o horror da escravidão, do holocausto, das torturas da Idade Média. Por que não um para o machismo?
Claro, é difícil fazer uma instituição dessas sobre algo existente, vivo. Mas está aí o Museu da Língua Portuguesa para provar que é possível capturar o dinâmico.
O Brasil certamente teria muito a contribuir! Não faltariam campanhas de TV, músicas, desenhos, enfim, uma infinidade de materiais que serviriam para registrar essa longa história da opressão das mulheres. Poderia haver, por exemplo, um mapa interativo onde piscariam luzes a cada instante que uma brasileira fosse agredida. Ia brilhar tanto que pareceria uma árvore de Natal! Ou um mural com fotos daquelas que foram assassinadas. Obras de artistas plásticas feministas também seriam muito bem-vindas, assim como performances e peças de teatro.
Na parte interativa, penso que um ótimo vídeo, bastante ilustrativo, seria o que circulou essa semana com declarações do vereador Pastor Aldemar, do PSDB de Montes Claros (MG). Em entrevista à TV Câmara do seu município, ele criticou uma professora, Iara Pimentel, que pedia sua cassação. E soltou algumas frases deste típico exemplar de machista brasileiro. Poderíamos exibi-lo (o vídeo, não o vereador) no Museu seguido de uma análise crítica das declarações. Por exemplo:
1. “Se pudesse eu mesmo dava um couro nela”.
Com essa frase, o machista reafirma que, dentro de uma determinada concepção de sociedade, os homens têm a prerrogativa de bater em mulheres como maneira de adequar sua conduta social (como falei nesse texto aqui). “Dar um couro” é considerado, nesse vídeo, uma opção para o machista típico que se sente desconfortável com alguma atitude de uma mulher. Afinal, se partir para a porrada não fosse uma possibilidade, ela sequer seria mencionada, certo?
2. “Tá aí, encalhada, e vem pra cá querendo arranjar um marido”.
Essa também é um lugar-comum do machista brasileiro: uma mulher que ocupa os espaços públicos e chama atenção o faz com o único e exclusivo objetivo de conquistar um homem. Ela não consegue viver sozinha e comete atitudes desesperadas — como solicitar a cassação do mandato de um vereador (!) — para arranjar um marido que a sustente e poder ingressar no tradicional pacto do casamento heterossexual, em que, com muito prazer, ela permanecerá a vida toda em posição inferior.
3. “Ou então tá interessada em algum vereador” 
Idem ao item anterior, acrescentando o fato de que essa mulher, coitada, que não consegue ser solteira, teria algum tipo de fetiche especial por homens poderosos como aqueles que atuam na Câmara Municipal de Montes Claros.
Já estou imaginando nossas crianças passeando pelos corredores do Museu do Machismo e refletindo sobre cada um desses comportamentos com distanciamento e senso crítico! Ônibus escolares nas portas, filas durante os feriados. E o vendedor de hot-dog do lado de fora sem gritar nenhum bordão do tipo “mulher bonita não paga, mas também não leva”.
E aí, quem apóia a iniciativa?
*Maíra Kubík Mano é jornalista. Foi editora da versão brasileira do jornal Le Monde Diplomatique e da revista Sem Terra. Foi editora-assistente da revista História Viva e já escreveu para diversos veículos como Rolling Stone, Época, Caros Amigos, Carta Maior, Carta Capital, TPM, Brasil de Fato, Desafios do Desenvolvimento (IPEA), revista da ADUSP, OperaMundi e Nova Escola. Atualmente faz Doutorado em Ciências Sociais na Unicamp, na linha de pesquisa de Estudos de Gênero, e na Université Paris 7 - Diderot. Foi professora do Bacharelado em Gênero e Diversidade da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e tem pós graduação em Gênero e Comunicação pelo Instituto de Periodismo José Martí, em Cuba, e em Leadership for Media and Democracy pela United Nations University - International Leadership Institute, na Jordânia. Não passa um dia sem chá mate.

Confira um dos vídeos da campanha "Reacciona Ecuador":

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