sexta-feira, 16 de março de 2012

Os desafios do governo Dilma

Por Davidson Magalhães*
O primeiro ano do governo Dilma ficou marcado pela afirmação da presidenta. Vencendo as desconfianças de alguns setores e contrariando a expectativa da oposição, em 2011 o governo encerrou, com a ampla aprovação da opinião pública, conseguindo inclusive superar os melhores índices alcançados pelo presidente Lula. No campo político, a oposição desnorteada viu surgir o PSD, do prefeito Kassab, que estendeu à adesão de líderes antes abrigados nas siglas oposicionistas, ao governo no âmbito federal e nos estados. Abriu-se, inclusive, uma perspectiva de isolamento dos tucanos em São Paulo. O crescimento econômico mesmo baixo contrastava com uma Europa em crise, EUA em marcha lenta e um Japão estagnado. Ultrapassamos o PIB da economia do Reino Unido passando a ser a 6ª economia do planeta. Estávamos nadando de braçada. O mundo em crise e nós em um céu de brigadeiro.

Mal começou o ano de 2012 e a outra face da realidade bateu a nossa porta. O IBGE divulgou o resultado do PIB de 2011, crescimento de 2,7%, mostrando forte desaceleração em relação ao crescimento de 7,5% registrado em 2010. A participação do setor industrial no PIB recuou para 14,6% ante 16,2% em 2010. Apesar da diversificação do nosso parque industrial, o peso relativo da indústria no PIB recuou aos níveis de 1956. Diferentemente da China, onde a indústria representa 43,1% do PIB, da Coréia com 30,4% e de 20,8% da Alemanha. No momento atual, um em quatro produtos industrializados consumidos no Brasil é importado, segundo a Fiesp. Em 2003 essa relação era de um para dez. Esses dados revelam um movimento de desindustrialização. 

O desequilíbrio comercial somado à valorização cambial, com o real na posição de uma das moedas que mais se valorizaram no mundo, - só nos dois primeiros meses deste ano o real teve a valorização de 11% a maior entre todas as demais - além da adoção das maiores taxas de juros da economia global e a redução dos preços de commodities em 12,7%, ao longo dos últimos 12 meses, compõe um quadro de relevantes restrições à economia nacional.


No campo político, o inicio de 2012 trouxe novos episódios de antigos problemas. Na Câmara Federal, 53 dos 76 deputados do PMDB divulgaram manifesto de insatisfação com o atual governo. A presidenta Dilma sofreu a primeira derrota no Congresso, o senado rejeitou por 36 votos contra 31 a recondução de Bernardo Figueiredo, pessoa muito ligada à presidenta, ao cargo de diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres. Estes acontecimentos, demonstram o descontentamento e instabilidade da base governista, que pode colocar em risco a votação de importantes projetos e leis, a exemplo do novo Código Florestal. 


Aos problemas no Congresso Nacional se somaram o lançamento da candidatura de José Serra à prefeitura de São Paulo, com um significativo potencial de reaglutinação dos setores conservadores tendo como expoente na sua articulação o “errático” Kassab, e a intensificação dos atritos e conflitos na base de sustentação do governo face às disputas locais, principalmente nos grandes municípios.


As dificuldades conjunturais, as oscilações macroeconômicas decorrentes de uma economia globalizada e instável, além de um movimento político de pressão e tensionamento, fruto da luta cotidiana pela hegemonia existente nas frentes políticas heterogêneas, nos reportam a problemas e limites estruturais do atual ciclo político iniciado por Lula e conduzido pela presidenta Dilma. 


O primeiro destes li
mites está relacionado à política macroeconômica. Ao assumir o governo, o presidente Lula - pelas circunstâncias da correlação de forças então existentes - implantou uma política econômica híbrida. Elementos desenvolvimentistas e de mudança, convivendo, ao mesmo tempo com a atualização de compromissos com o capital financeiro e o rentismo neoliberal. 


Especialmente no segundo governo Lula e no atual governo, um conjunto de medidas adotadas reforçam o sentido desenvolvimentista e a retomada do protagonismo do Estado brasileiro. Contribuem nesse caminho, o lançamento do PAC I e II, as iniciativas de política industrial, a ação do BNDES, o fortalecimento do mercado interno com o estímulo ao consumo e ao crédito, a política de redistribuição de renda. Contudo, a manutenção das altas taxas de juros, a política de câmbio flutuante e a falta de controle no fluxo de capitais internacionais, fazem com que o país pague um pesado ônus de uma transição dura, difícil e lenta para se livrar de uma macroeconomia de matriz neoliberal que freia seu desenvolvimento e transfere bilhões de reais para os banqueiros e especuladores. O Brasil obteve o menor índice de crescimento entre os BRICS com a manutenção desta política econômica híbrida. 

A nova conjuntura econômica internacional, marcada pela retração econômica, pelo excesso de liquidez (inundação de moedas e títulos) decidido pelos países desenvolvidos para livrar do sufoco suas debilitadas economias, e pelo recrudescimento do protecionismo, desnudou os graves riscos e limites da manutenção da atual hibridez na orientação econômica do Brasil. O fraco desempenho do PIB brasileiro em 2011, a valorização cambial, e o risco de desindustrialização, evidencia que uma recuperação da economia brasileira, efetiva e duradoura, exige que se eleve a taxa de investimentos, o que implica no rompimento com a lógica rentista. 


O segundo limite esta relacionado à arquitetura do poder e a condução da frente política liderada pelo PT. O Partido dos Trabalhadores elege o seu fortalecimento e sua consolidação como força hegemônica como estratégia de condução do projeto e a partir desta posição, busca incorporar as forças políticas de centro, especialmente por meio do compartilhamento dos espaços de governo. Esta equação é um fator constante de instabilidade. Para manter estável a base de apoio ao governo, os aliados precisam ser contemplados com espaços relativos à sua força política. Da mesma forma, para se consolidar hegemonicamente, o PT na função de pólo aglutinador da frente, busca avançar nos espaços institucionais, cargos e programas, que viabilizem conquistas de prefeituras, governos e ampliação das bancadas. A relação entre o hegemonismo petista e a frente política gera tensão permanente em torno da máquina administrativa, cujo desaguadouro quase sempre é o Congresso Nacional. 


A articulação do segmento progressista e de esquerda, não ocorre de maneira orgânica e compartilhada, acontece exclusivamente nos períodos de crise e eleitoral. 


Enfrentar as dificuldades conjunturais passa, no atual quadro político por superar os limites estruturais do projeto da frente política que sustenta o governo. Construir um novo pacto de forças políticas e sociais amplas, nucleado pelo conjunto das forças de esquerda, em torno de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento é o caminho para a superação dos atuais constrangimentos políticos e econômicos. Essa aliança pode se consolidar em maioria política e social, e assim alterar os mecanismos de articulação da frente e da forma de ocupação dos espaços de governo. A disputa pela hegemonia assim configura-se mais claramente como tarefa de um campo, não se confundindo com exclusividade e interesse de um único partido.


Só um novo pacto de forças políticas e sociais pode criar as condições de rompimento das amarras neoliberais que travam o crescimento econômico sustentável, a distribuição de renda e a ampliação da democracia no Brasil.


*Davidson Magalhães é vice-Presidente do PCdoB - Bahia

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