Por Paulo Kliass, no sítio Carta Maior:
Ao que tudo indica, depois do anúncio oficial do pífio desempenho da economia brasileira em 2011, a luz amarela acendeu no gabinete da Presidenta Dilma. Afinal, para quem passou o ano todo recebendo informações de seus auxiliares a respeito de números próximos a 4%, o crescimento de apenas 2,7% no PIB não deve ter agradado mesmo.
Apesar da baixa divulgação da informação e da ausência de análises do fato por parte dos grandes meios de comunicação, o governo parece disposto a esboçar uma reação. A intenção é evitar que esse baixo crescimento continue a contaminar os resultados da economia brasileira ao longo de 2012. Os dados relativos ao crescimento industrial em janeiro recente, por exemplo, também apontam para um reduzido dinamismo, uma espécie de efeito de inércia em relação ao ocorrido durante o ano passado. Na comparação com janeiro de 2011, houve recuo de 3% na produção industrial de todo o País.
Assim, a equipe econômica começa a preparar um conjunto de medidas visando a contrabalançar esse quadro negativo. Como sempre, nos momentos de crise, o próprio setor privado busca socorro junto ao governo, pois tem plena consciência de que a simples “livre ação das forças de mercado” não oferece as melhores alternativas para a superação das dificuldades. Apesar desse tipo de iniciativa ser positiva, é necessário avaliar com detalhe aquilo que está sobre a mesa de negociação para evitar que novos equívocos sejam cometidos.
Juros altos e cortes no orçamento
O diagnóstico a respeito dos números de 2011 revela que os principais fatores para o baixo desempenho da economia brasileira estão associados ao setor industrial e ao investimento público. Assim, mais uma vez se confirma que a manutenção de elevadas taxas de juros está na base da redução do ritmo de crescimento do PIB de 7,5% em 2010 para 2,7% em 2011. O Copom tem adotado uma política que vai na direção correta de redução da Selic. Assim, ao longo das últimas 5 reuniões, manteve a diminuição sistemática da taxa oficial. Em agosto de 2011, quando foi iniciada a trajetória de queda, ela foi reduzida para 12% e finalmente na reunião de março foi fixada em 9,75%. No entanto, a realidade se encarregou de mostrar que a dosagem prescrita, mesmo assim, ainda foi baixa. O Brasil continua a apresentar a maior taxa de juros do planeta.
Além disso, o governo nada fez para obrigar os bancos e demais instituições do sistema financeiro a reduzirem suas margens de ganho, o chamado “spread” bancário. A começar pelos grandes bancos federais, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, cujo peso no mercado obrigaria os bancos privados seguirem o caminho de também diminuir os custos de crédito e empréstimos às empresas e às famílias. E aí não existe a menor dúvida: juros elevados significam baixo investimento no setor produtivo, na economia real. Assim o ritmo de crescimento das atividades diminui ou estanca.
Por outro lado, problemas podem surgir pela tensão provocada quando da divulgação dos resultados negativos, como esse do PIB. Os representantes do empresariado estão sempre a postos para sair com sua conhecida e batida cartilha para solução da crise de plantão, seja qual for a sua natureza. E ela envolve as famosas receitas de redução do chamado “custo Brasil”, sempre apontando para a redução da carga tributária e para a precarização ainda maior das condições dos trabalhadores no processo produtivo.
E o risco é justamente do governo aceitar a pressão do conhecido e ardiloso “lobby” do capital. É necessário advertir para que não sejam acolhidas tais sugestões de forma acrítica e muito menos incorporadas sem muita discussão no pacote anti-crise. Afinal, trata-se de aspectos essenciais de nossa política social, construída há muitas décadas e que sempre serviram como um colchão para atenuar os ataques cometidos contra os trabalhadores e a maioria de nosso povo.
Afinal, qualquer projeto que se pretenda de natureza desenvolvimentista deve incorporar as preocupações com a questão da melhoria da distribuição da renda, com o aperfeiçoamento das condições dos serviços públicos oferecidos pelo Estado e com o aprofundamento da inserção do País de forma soberana no cenário internacional. E isso significa assegurar dignidade e respeito à força de trabalho e não abrir mão de recursos públicos. Não é pela recuperação de uma agenda já perdida, desde o início da falência reconhecida do neoliberalismo, que o Brasil deve buscar a retomada do crescimento em 2012.
Desoneração da folha de pagamentos
O primeiro conjunto de medidas apresentado pelo governo visa a desoneração da folha de pagamento por parte das empresas, com a imediata redução das receitas da Previdência Social. O balão de ensaio foi lançado ainda no ano passado, quando numa decisão também de afogadilho o governo criou uma “experiência piloto” com 4 setores (calçados, móveis, confecções e “software”). As empresas desses ramos deixaram de recolher os 20% sobre salários junto ao INSS, tal como prevê a legislação. E ficaram com a promessa de criar outra forma de contribuição, com uma incidência de 1,5% sobre o faturamento das mesmas.
Um verdadeiro passo no escuro. Se a medida foi adotada, o objetivo era reduzir a carga tributária das empresas. Ou seja, isso significa menor arrecadação para o regime previdenciário, que o próprio governo acusa equivocadamente de ser deficitário! E o pior é que tais benesses não vêm acompanhadas de nenhuma exigência de contrapartida por parte das empresas, como o aumento da contratação de mão-de-obra, investimento em inovação ou manutenção de preços estáveis.
Agora, em reposta ao chamado “tsunami financeiro internacional”, o governo parece motivado a seguir na mesma linha equivocada de apontar falsas soluções. Em audiência no interior da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, o Ministro Mantega parece ter se entusiasmado pelo clima reinante no ambiente e saiu-se com um discurso recheado de argumentos típicos do campo do empresariado. Senão, vejamos os termos do despacho da própria agência de notícias do governo federal:
“Mantega reforçou que a desoneração da folha é uma das prioridades do governo porque em todo o mundo há uma redução no custo do trabalho. “Na China é assim, nos Estados Unidos também e os europeus estão fazendo o mesmo”, citou.” [1]
Ora, o argumento de que devemos fazer o mesmo que fazem os países citados é, para dizer o mínimo, um enorme equívoco. Se o problema é a concorrência enfrentada pelas mercadorias produzidas por eles, a solução passa pelo ajuste na nossa taxa de câmbio, revertendo a acentuada valorização que tem sido observada até o momento atual. Reduzir os encargos trabalhistas significa alterar um modelo de contrato social vigente há muitas décadas em nosso País e que foi confirmado pela Constituição de 1988. Efetuar esse tipo de ajuste pontual pode comprometer o conjunto do modelo, de fato, e obrigar a um ajuste posterior, quando a situação de carência de receitas estiver efetivada. Ou seja, é a opção por um risco desnecessário.
Na mesma audiência, o ministro comentou que haveria mais setores na lista dos futuros beneficiários de tal medida de desoneração da folha de pagamentos, que compromete seriamente nosso modelo de previdência social pública e universal. Fala-se em ramos importantes de nossa economia, a exemplo de máquinas, equipamentos, autopeças, pneus, têxteis, construção naval e até mesmo a aeronáutica. Enfim, uma parcela significativa de nosso PIB a deixar de contribuir para o INSS, o que mereceria um debate mais amplo, envolvendo as entidades sindicais, as associações representativas dos aposentados e demais entidades da sociedade civil.
Precarização dos direitos da CLT
Por outro lado, o governo deixa ventilar informações a respeito de projeto de alteração na CLT, flexibilizando direitos históricos dos trabalhadores. Mais uma vez, a conhecida estória de reduzir custos do trabalho, como se eles operassem como o principal mecanismo de redução do crescimento da nossa economia. Na verdade, a última década encarregou-se de botar por terra um importante e falacioso mito dessa mesma natureza – o salário mínimo.
A adoção da política de valorização dessa importante referência de remuneração adotada desde o primeiro mandato de Lula não provocou a tão anunciada catástrofe no mercado de trabalho, como sempre alardearam os empresários. Muito pelo contrário. Os ganhos reais do salário mínimo foram um dos elementos que permitiram a sustentabilidade da demanda interna a partir da crise de 2008. Ou seja, os supostos altos custos associados ao mínimo rendimento oficial não impediram a retomada do crescimento.
Assim, não cabe criar brechas na legislação para contratação apenas de trabalhadores horistas ou empregados eventuais. É sabido que a maioria do empresariado não tem a menor preocupação com as condições atuais ou futuras dos trabalhadores. Abrir esse tipo de excepcionalidade corre o risco de oferecer alternativas legais para avançar ainda mais na precarização das relações trabalhistas. Basta lembrarmos o ocorrido com a exceção criada na legislação trabalhista e previdenciária para o reconhecimento e o estímulo das famosas “cooperativas de trabalho”. Passado o tempo, o que existe hoje em dia são verdadeiras empresas. Foram constituídas sob a fachada de cooperativismo, onde a absoluta maioria dos membros não são nada mais do que trabalhadores de fato, que ficam sem os mesmos direitos que os assalariados de uma empresa regular.
Entre outras atividades, essas cooperativas são as campeãs das licitações oficiais para terceirização de serviços como vigilância, limpeza, transportes e similares. Como operam com custos mais baixos, pelas vantagens oferecidas na lei, elas quase sempre ganham as licitações por menor preço. Com exceção de seus verdadeiros proprietários, muito bem ocultos pelos “laranjas”, todos saem perdendo com essa brecha legal: o Estado pela perda de receita, os trabalhadores pela piora nas condições do emprego e a população pela deterioração da qualidade do serviço público prestado.
Portanto, atenção! Já estamos cansados de assistir a esse tipo de filme. Por trás do discurso da flexibilização das relações trabalhistas está sempre a verdadeira intenção de aumentar o lucro das empresas, pouco importando se isso implicar em perdas à maioria da população. As Centrais Sindicais já manifestaram sua oposição às propostas. O que mais impressiona é que a iniciativa de encaminhar esse tipo de mudança retrógrada na nossa legislação venha de um governo cuja maioria é composta de membros do Partido dos Trabalhadores.
[1] Ver: http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/03/14/desoneracao-da-folha-de-pagamento-sera-ampliada-para-mais-cinco-setores-da-industria
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