Por Luis Nassif, em seu blog:
Na segunda-feira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu uma entrevista ao blog do The Economist. Na terça-feira a entrevista foi reproduzida pelos principais jornais.
Nela, FHC rompe com limitações emocionais, reconcilia-se com sua biografia e ajuda a salvar o que resta do PSDB: rompe politicamente com José Serra, através de um diagnóstico duro:
- O PSDB perdeu as eleições de 2010 devido a erros primários na campanha.
- Esses erros foram de responsabilidade exclusiva de José Serra, por seu individualismo, arrogância e pelos conflitos que criou dentro do próprio partido.
- Aécio Neves é o candidato natural do PSDB nas próximas eleições. Serra não tem possibilidade de vitória.
A terça-feira foi dos piores dias da vida de Serra. Contrariando seus hábitos – de dormir tarde e levantar tarde – antes das 7 da manhã estava no Twitter – o sistema de mensagens curtas da Internet. Mandou uma mensagem insossa: "É a primeira vez que entro para dizer BOM DIA A TODOS". Alguns minutos depois, outra mensagem, desta vez com críticas ao governo Dilma. Depois sumiu, contrariando seu padrão de atuação.
Ontem à tarde houve evento na prefeitura de São Paulo. No palco principal, o prefeito Gilberto Kassab, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente FHC em demonstrações explícitas de civilidade política. Serra, na plateia, passando despercebido.
É preciso entender melhor as relações históricas entre FHC e Serra para avaliar o peso das declarações de FHC.
Ambos conviveram no exílio. FHC sempre foi um bom conhecedor de pessoas e considerava Serra por demais voluntarista, personalista, autoritário e arrogante. Foi esse o motivo para quase tê-lo deixado de fora na montagem do seu ministério, em dezembro de 1994.
Por outro lado, Serra tornou-se muito próximo a dona Ruth, quase um filho problemático sendo orientado por ela. Essa aproximação logrou quebrar resistências de FHC que se tornou o grande avalista de Serra, o único aliás.
Foi graças a esse apoio que, depois de perder as eleições para prefeito de São Paulo, Serra foi nomeado Ministro da Saúde, depois de uma atuação medíocre como Ministro do Planejamento. Na Saúde, ganhou cacife político com uma gestão corajosa.
A fraqueza emocional de FHC – bancando a candidatura de Serra – foi fatal para o PSDB e quase fatal para o país. Tivesse sido eleito, em lugar de uma reunião política civilizada – como a que ocorreu ontem na prefeitura de São Paulo – ter-se-ia um país em pé de guerra.
Vários fatos contribuíram para que FHC revisse definitivamente seu julgamento sobre Serra.
A gota d’água foi o livro de Amaury Ribeiro Jr., "A Privataria Tucana" - um nome inadequado para um livro que revela sinais de corrupção especificamente em Serra, não no partido.
A primeira reação de FHC foi vir a público deblaterar contra o livro, que comparou ao famoso "Dossiê Cayman" - uma patacoada criada por partidários de Paulo Maluf com acusações inverossímeis contra FHC, Covas, Motta e o próprio Serra.
Depois, leu o livro. Informações que circularam semanas atrás davam conta de que ficou escandalizado com o que leu.
Agora, o PSDB fica livre para se reconstruir.
Os jornalões e Serra - 1
Na entrevista, FHC unge Aécio Neves como candidato natural do partido e tece elogios ao governador de Pernambuco Eduardo Campos. A grande agonia de Serra foi acompanhar a repercussão nos jornais. Há alguns anos, FHC tornou-se o referencial máximo para os grandes grupos de mídia do eixo Rio-São Paulo. Serra tem boa ascendência, contato com alguns jornalistas influentes, mas o que o segurava era o aval de FHC.
Os jornalões e Serra - 2
No dia seguinte, houve uma tentativa da Folha de minimizar a entrevista, supondo que FHC tivesse desagrado gregos e troianos, serristas e aecistas. Os primeiros (na verdade meia dúzia de tucanos) por desqualificar Serra; os segundos, por expor Aécio, que pretende ficar em segundo plano até ser indicado. O apoio de FHC consolida Aécio no PSDB. Não terá repercussão maior fora da mídia e dos partidos políticos.
A fim da blindagem
Em toda sua vida política, Serra sempre foi protegido por uma blindagem, devido ao seu passado intelectual. Essa blindagem impediu que fosse questionado sobre a mudança do padrão de vida ainda em pleno governo Montoro – no qual ocupou seu primeiro cargo público. Em pouco tempo saiu de um pequeno sobrado na Vila Madalena para um sobrado amplo perto da Praça Panamericana. Aos amigos dizia ter conseguido um aluguel barato.
Os iludidos
Sua atuação de bastidores iludiu não apenas a FHC, mas também Lula, seus colegas na Unicamp, jornalistas, amigos dos tempos de exílio. Nas eleições, algumas de suas características ficaram evidentes, como o uso de dossiês contra adversários – de Aécio a Dilma -, o discurso religioso, destoando de toda sua vida política. Mas ainda havia crença de que não se valeu da influência política para ganhos pessoais.
O livro de Amaury
O livro “A Privataria Tucana” demoliu as últimas defesas de Serra. Pelos documentos apresentados, reconstitui-se sua trajetória nas privatizações. Para fora do governo, fazia um discurso aparentemente crítico à privatização desvariada. Para dentro, era o encarregado da privatização e seu defensor mais acerbo. Tempos atrás, o próprio FHC afirmou que Serra foi o mais radical defensor da privatização da Vale.
Privatização e benefício pessoal
Nem se considere a questão ideológica. A privatização tem um conjunto de méritos assim como uma série de restrições. Daí a importância de ser trabalhada sem dogmatismo. Mas Serra abriu mão de projetos que poderiam tê-la legitimado – como, por exemplo, a privatização com fundos sociais, beneficiando optantes do FGTS, cotistas do FAT. Boicotou a iniciativa. Agora, sabe-se que havia interesses de ordem pessoal em sua posição.
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