Por Deutsche Welle, na Carta Capital
Pouca coisa acontece nas ruas da periferia de Doha. De tempos em tempos, passa um caminhão ou um ônibus, levantando poeira. E logo a tranquilidade retorna ao bairro industrial da capital do Catar. Mais de meio milhão de pessoas vivem ali, ao lado de fábricas, galpões e unidades industriais. Há alojamentos de trabalhadores por todos os lados.
É neste lugar que moram os imigrantes que trabalham nas obras que remodelam o país para a Copa do Mundo de 2022. Essas pessoas vêm do Nepal, Bangladesh, Índia ou Filipinas. Apesar de ser uma área bastante povoada, ela tem uma aparência triste, neste país tão moderno e dinâmico. Edifícios cinzentos dominam a paisagem, cortada por ruas, em geral, não pavimentadas. Eles se encontram entre alojamentos de três e quatro andares – em grande parte, sem janelas. Não é um lugar atraente para trabalhar. Menos ainda para morar.
Exatamente um ano se passou desde que o governo do Catar anunciou que reformaria os direitos trabalhistas para melhorar as condições de trabalho e de vida dos operários estrangeiros. O controverso sistema kafala, pelo qual operários estrangeiros tinham que pedir autorização de seus empregadores para sair do país, devia ser abolido. Isso ocorreu por pressão da comunidade internacional, depois de muitos meios de comunicação, incluindo a DW, terem informado sobre as condições subumanas de trabalho dos operários. Centenas deles morreram nas obras, num regime de escravidão moderna.
Mudanças levam tempo
No entanto, houve poucas mudanças ao longo destes 12 meses para centenas de milhares de trabalhadores estrangeiros no Catar. O governo do país parece ter compreendido que algo tem de mudar, mas provavelmente superestimou suas próprias possibilidades.
Não há sinais de reforma da legislação trabalhista e nas condições de vida dos trabalhadores, apesar de muitos afirmarem, nos bastidores, que as mudanças devem ser implementadas em breve. Apenas um círculo restrito de pessoas em torno do monarca que rege o país, o emir Tamin bin Hamad al-Thani, de apenas 34 anos, toma as decisões governamentais neste pequeno emirado, com um dos maiores PIB per capita do mundo. Por isso, mudanças levam tempo.
Algo entre 300 e 400 pessoas, a maioria do Nepal, segundo os operários, vivem em um dos alojamentos de três andares da área industrial. A DW esteve no local. As condições do lugar são precárias, os habitantes quase não têm privacidade. A cozinha é pequena demais. Há apenas 10 banheiros para cada 100 pessoas. Alguns deles não têm sequer uma porta. De 12 a 16 pessoas dormem em quartos com quase 20 metros quadrados. Muitos moradores vivem ali há dois anos, sem direito a férias.
Sem ar condicionado, a 50 graus
"Isso não é vida", reclama um nepalês, que prefere não se identificar. "O ar condicionado não funciona. E, isso, num verão de 50 graus e com 16 pessoas dormindo aqui", conta. Colegas relatam que tiveram que entregar seus passaportes para o empregador e que não podem decidir, por conta própria, sair do país.
"Nós ganhamos mal. Nos primeiros três meses não recebemos nada. E para chegar aqui ainda tivemos que nos endividar", lamenta o operário. Os trabalhadores estrangeiros dizem receber por mês 700 riais catarenses, o que corresponde a menos de 200 euros. A quantia é bem abaixo do salário mínimo de 900 riais catarenses acertado entre Catar e Nepal.
Os imigrantes, no entanto, acabam sendo prisioneiros deste sistema, justamente porque dependem do pouco dinheiro que recebem. Quase todos os trabalhadores enviam metade do que ganham para os parentes, em seus países de origem. E, muitas vezes, o dinheiro é usado para alimentar uma família inteira.
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