Caio Botelho *
A eleição de Lula para a presidência em 2002 abriu um novo ciclo de desenvolvimento para o Brasil, que permitiu que o país desse passos significativos no combate às desigualdade e tivesse êxito no objetivo de melhorar a vida de seu povo. Mas também trouxe novos e instigantes desafios: uma vez no poder e compondo uma ampla coalizão, qual deveria ser o comportamento dos marxistas brasileiros?
Diante desse novo cenário, logo depois da vitória eleitoral de Lula, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) realizou uma Conferência Nacional para tratar do novo contexto que se abria e definir a posição dos comunistas.
Depois de intensos debates, o PCdoB concluiu que deveria participar do governo, não apenas manifestando seu firme e decidido apoio como também exercendo funções na administração central. “O fracasso do governo Lula seria também a derrota das forças de esquerda e renovadoras e (...) a via para a volta das forças conservadoras ao centro do poder”, afirmam as Resoluções da Conferência.
Entretanto, embora o programa a que o governo se propunha a executar tivesse um conteúdo avançado, a existência de divergências com o programa do PCdoB fez com que os comunistas reafirmassem a necessidade manter sua independência e refutar o “seguidismo ou ausência de críticas”, o que significava, na prática, dar sustentação ao governo e trabalhar pelo seu sucesso, mas sem deixar de apontar os equívocos existentes e tampouco perder de vista a perspectiva de transformações mais profundas, de conteúdo revolucionário, em direção ao Socialismo.
Tratava-se de uma experiência nova para o PCdoB, cuja história é marcada por longos períodos de perseguição e clandestinidade. Mesmo após sua legalização, em 1985, teve que enfrentar os governos neoliberais que se seguiram e apenas em 2003, com a posse de Lula, exerceu sua primeira experiência no governo central do país.
Por um lado o ineditismo de um novo tipo de tarefa: a de governar sem perder a fisionomia própria e a essência ideológica construída ao longo de décadas. Por outro, a experiência de uma legenda quase centenária, movida não por casuísmos conjunturais, mas por uma teoria revolucionária, científica. Foi essa característica que fez com que os comunistas tomassem as decisões mais corretas e não se perdessem ao longo do caminho.
O tripé: frente institucional, movimentos sociais e luta de ideias.
O balanço dessa década, portanto, é extremamente positivo. O Brasil avançou significativamente e o PCdoB cresceu sua influência e protagonismo. Na frente institucional, ampliou o número de vereadores, deputados estaduais e federais, prefeitos, além da participação em diversos governos estaduais – em alguns deles ocupando postos de grande relevância. Voltou ao Senado Federal, casa que não contava com representantes comunistas desde que Luiz Carlos Prestes teve seu mandato cassado em 1948. Hoje, pode-se afirmar que o PCdoB vive o melhor momento dos seus mais de 90 anos de história.
E isso ocorre graças ao fato de que os comunistas ampliaram sua presença institucional, mas sem perder de vista a necessidade de se fortalecer junto às lutas do povo, através de seus movimentos e entidades representativas, e de promover a chamada luta de ideias, defendendo um pensamento avançado em contraposição aos valores degradantes oferecidos pelo capitalismo.
As Teses aprovadas no seu 13º Congresso Nacional, realizado em novembro de 2013, reafirmam a necessidade “de tratar de maneira combinada três formas de luta entrelaçadas para acumular forças em caráter estratégico, portanto revolucionário, sem unilateralismo: A luta social de massas, a luta político-eleitoral, e a luta de ideias”.
Isso significa que seria um erro subestimar qualquer um desses campos de luta – todos são fundamentais para a criação das condições de mudanças mais profundas. Ao mesmo tempo, não se tratam de três tarefas distintas, separadas como se fossem ilhas. Pelo contrário: como afirmam as Teses, elas se relacionam e, no final das contas, sua combinação reflete a luta política em seu conjunto.
É claro que armadilhas estão postas no caminho. É real o perigo de perder-se no vale-tudo eleitoral; ou acomodar-se em estruturas sindicais e de entidades do movimento social; ou mesmo de ficar presos em academicismos afastados da realidade do povo, vícios que só podem ser combatidos pela permanente atenção e reafirmação cotidiana do compromisso revolucionário.
Referindo-se especificamente às eleições, mas em uma assertiva que serve também para as outras frentes de luta, Lênin afirmou:
“Esses lugares [no Parlamento] só são importantes na medida em que possam contribuir para desenvolver a consciência das massas, elevar seu nível político, organizá-las, não em nome da placidez filisteia, da ‘tranquilidade’, da ‘ordem’ e da ‘prosperidade pacífica’, mas em nome da luta para conquistar a plena libertação do trabalho de toda a exploração e opressão” (LÊNIN, “Os comunistas e as eleições”. São Paulo: Anita Garibaldi, s/d)
O papel dos comunistas à frente de governos
Como um partido de caráter marxista-leninista, o PCdoB orienta-se, obviamente, pelas ideias de Marx e Lênin. Não pela reprodução mecânica e dogmática de seus pensamentos, mas pela capacidade de incorporar a teoria construída por esses e outros revolucionários à nossa época, às condições do Brasil do Século 21.
E hoje, amplia-se a presença de quadros do PCdoB nas mais diversas instâncias de poder, inclusive à frente da administração de cidades médias e grandes, como Contagem (MG), Jundiaí (SP), Olinda (PE) e Juazeiro (BA). Como devem, afinal, se comportar os comunistas diante dessa responsabilidade?
É notório que exercer o papel de administrador exige cumprir – e bem – uma série de demandas rotineiras próprias de um governo. Asfaltar ruas, pintar calçadas, organizar a coleta de lixo, construir praças, inaugurar postos de saúde e escolas, etc. Entretanto, para cumprir essas tarefas não necessariamente se exige um Partido Comunista, já que outras legendas também podem cumprir essas funções.
Por isso é que as exigências aos quadros comunistas em funções públicas são ainda maiores. Porque eles têm que dar conta de todas essas tarefas listadas, mas também possuem a obrigação de fazer mais que isso. Existem algumas premissas que devem sempre ser levadas em conta, e destacamos algumas delas.
A primeira, contida nas Resoluções da 9ª Conferência Nacional, nas Teses do 13º Congresso e em uma série de outros documentos, trata do Partido. Compor um governo não pode significar a solvência do PCdoB em cargos da administração. Não é o Partido que pertence a um mandato (seja ele de prefeito, vereador, deputado, etc.), mas são os mandatos que pertencem ao Partido e à parcela do povo por ele representado. Uma vez compondo o governo, o Partido não pode deixar de ter vida própria.
A segunda premissa diz respeito à qualidade da administração. Em qualquer espaço que ocupar, os comunistas têm a obrigação de governar principalmente para a classe trabalhadora, para a parcela do povo que mais precisa de atenção e que sempre teve seus direitos fundamentais negados. Somos, afinal, um Partido de classe.
Também se deve buscar as condições para radicalizar ao máximo a participação democrática do povo nas decisões do governo. Sem menosprezar o importante papel exercido por lideranças políticas e sociais, é na sabedoria coletiva, popular, que reside a força de um governo com compromissos avançados. As saídas para os problemas não serão encontrados em gabinetes, mas no contato direto com o povo.
E por último, ressaltamos a questão da elevação da luta de ideias. Em 1986, quando participava da posse do primeiro prefeito comunista eleito após a ditadura militar (Luiz Caetano, em Camaçari – Bahia), João Amazonas, um dos principais construtores ideológicos do PCdoB, afirmou:
“O nosso partido, que apoiou candidatos democráticos em todo o país, vê-se agora diante da questão de tomar parte na administração pública. Esperamos colaborar, desprendidamente, na administração municipal, no sentido de que realizamos as reivindicações populares. (...) nosso objetivo é servir ao povo. É ajudá-lo a se organizar melhor, a elevar sua consciência política, a fim de obter novas conquistas” (BUONICORE, Augusto. “Meu verbo é lutar – a vida e o pensamento de João Amazonas”. 1ª ed. São Paulo: Anita Garibaldi, 2012).
O pensamento de Amazonas vai ao encontro das ideias de Lênin, onde a luta eleitoral, a participação em organizações populares e a luta de ideias não possuem, cada uma, um fim em si mesmas. Todas elas devem, em última instância, se relacionar com um projeto transformador, revolucionário.
Isso significa que não cabe aos comunistas apenas cumprir as demandas rotineiras da administração, repetindo as mesmas fórmulas de sempre (ou no máximo melhorando-as um pouco) em busca apenas de mais um mandato. Sem perder a perspectiva de sempre lutar para assegurar vitórias eleitorais, é preciso diferenciar-se do conjunto de legendas que desejam apenas o “poder pelo poder” e dialogar com a parcela da população que pode ser ganha para as ideias transformadoras.
As mudanças mais profundas pelas quais lutamos não virão apenas a partir da ampliação do acesso ao consumo – inquestionável avanço da última década – mas também pela elevação do grau de consciência política do povo, condição que dará o impulso necessário para fazer com que cada vez mais o país avance na direção de um novo projeto nacional de desenvolvimento. E no centro, as ideias de Marx, Lênin e Amazonas, dentre outros teóricos revolucionários.
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