segunda-feira, 2 de abril de 2012

Sobre a criminalização das torcidas organizadas

Por Caio Botelho
Há muito tempo que se discute a questão da crescente violência entre as torcidas organizadas no Brasil, debate que esporadicamente toma um corpo ainda maior quando um desses episódios lamentáveis fazem suas vítimas e tomam conta dos noticiários.

Me lembro que, quando criança, tive a oportunidade de ir algumas vezes antigo estádio da Fonte Nova assistir ao clássico Bahia x Vitória em uma torcida mista, onde tricolores e rubro-negros podiam, lado a lado, torcer para seu time sem nenhuma confusão. Era um verdadeiro programa de família que tive o prazer de repetir algumas vezes em minha saudosa infância.

Mas essa realidade ficou no passado. No caso baiano, a crescente rivalidade entre torcidas de Bahia e Vitória ultrapassaram as fronteiras das boas provocações e chegaram, em alguns casos, à violência irracional. No último BA x VI, realizado em 18/03, uma confusão entre as torcidas organizadas Bamor e Imbatíveis deixou vários feridos e fez com que a Justiça suspendesse a primeira por dois jogos. Hoje, discute-se a possibilidade das partidas finais do Campeonato Baiano serem realizados com torcida única - medida já adotada em Minas Gerais nos jogos entre Cruzeiro e Atlético Mineiro desde fevereiro de 2010.

Outro fato que chamou a atenção e ocupou considerável espaço na mídia nos últimos dias foi o confronto entre a Mancha Alviverde e a Gaviões da Fiel, principais torcidas organizadas de Palmeiras e Corinthians, respectivamente. O episódio resultou em duas mortes e, entre outras medidas, na proibição dessas torcidas entrarem no estádio até que as investigações estejam concluídas.

Em comum, todos esses casos envolvem as torcidas organizadas. Por isso, cresce a cada dia a ideia de que essas entidades não passam de "grupos de vândalos" e que deveriam ter a sua existência impedida. Muitos defendem colocá-las na ilegalidade. É diante dessa polêmica que desejo me posicionar.

Tenho muito orgulho de ser um daqueles torcedores que vão ao estádio em quase todos os jogos de seu time (no meu caso, o Bahia) e, mais que isso, faço muita questão de cantar, gritar e vibrar muito. Não tenho nada contra aqueles que assistem a uma partida de futebol como a um jogo de tênis, quase sem reação. Mas tenho a convicção de que quem empurra o time de verdade é aquela turma que fica os 90 minutos cantando quase sem parar, mesmo que o jogo não esteja lá muito empolgante.

E, justiça seja feita, quem garante toda essa vibração são as torcidas organizadas. São elas o "maestro" dessa orquestra, que entoa as canções que são cantadas por todo (ou quase todo) estádio. O que seria da campanha de retorno do Bahia à Série A do Campeonato Brasileiro em 2010 sem a canção abaixo, adaptada pela Bamor e cantada com a música "Brasília Amarela", das Mamonas Assassinas?

Bahêa, estaremos contigo!
Você é a minha paixão
Não importa o que digam
Sempre levarei comigo
Minha paixão tricolor
E no peito o Esquadrão
Pituaço me espera
Vai começar a festa
Xalaialaia, Xalaialaia, Xalaialaia, 
Vamos subir, Esquadrão!


Para ser justo e imparcial, segue também um dos hinos cantados pelos Imbatíveis, do Vitória. Mesmo não torcendo pra esse time, não deixo de considerar uma bela música:


Não dá pra esconder, o que sinto por você, Vitória
Não dá, não dá, não dá, não dá.
Só sei 
Que o estádio estremece
Quando a torcida comparece
Inconscientemente ela canta
As mãozinhas então embalançam
Onde joga eu vou atrás
Só sei, que o meu Vitória é bom demais
Eô, Eô, Vitória meu amor
Vitória meu amor

Poderia listar uma centena de outros exemplos de várias torcidas do país inteiro, mas essas duas já bastam pra mostrar que as torcidas organizadas cumprem um papel importante. Impedi-las de entrar nos estádios e promover espetáculos que são capazes de emocionar torcedores dos mais diversos clubes é retirar do futebol a sua brasilidade. Em última instância, esse esporte faz parte da identidade cultural de nosso povo, e como tal deve ser respeitado em todas as suas características.

Mas os conservadores de plantão - geralmente os mesmos que defendem ingressos a preços absurdos para "selecionar" melhor o público - aproveitam os episódios lamentáveis de violência para defender medidas restritivas. É o papel típico da elitezinha metida a besta do nosso país: dá atenção aos problemas apenas quando eles lhe atinge.

As torcidas organizadas não são nada mais nada menos do que um retrato da sociedade brasileira e, principalmente, da nossa periferia, onde infelizmente a violência faz parte do cotidiano dos que nela vivem graças ao abandono secular a que estão submetidos. Mas isso se torna um problema quando as torcidas organizadas (formadas em sua grande maioria por torcedores humildes, dessa mesma periferia) levam esse problema para os estádios de futebol e, consequentemente, aos olhos dos torcedores dos mais diversos clubes que compõem a parte alta de nossa pirâmide social.

É claro que atos de violência devem ser combatidas e os torcedores que os praticam devem ser punidos, ainda que proporcionalmente ao delito que praticaram. Mas a nossa história prova que endurecer as leis e criminalizar certos atos não resolve absolutamente nada.

Se é fato que as torcidas organizadas são um espelho de nossa sociedade, certamente acabaremos com a violência nos estádios de futebol no dia em que conseguirmos construir um país onde todos os brasileiros tenham acesso aos direitos fundamentais historicamente negados à sua maioria. Uma cultura de paz não se constrói com chaves de cadeia, mas com o pleno acesso à educação, saúde, moradia e emprego.

2 comentários:

  1. Bem legal o seu texto. Mas nada justifica a violência, futebol é entreterimento, diversao e nao um campo de batalha em que vc defende a sua patria. Ser bahia ou vitoria, somos todos brasileiro, baiano. Somo todos da mesma patria, e pq nem todos torcem para seu time, vamos espacar os adversario? Isso é lazer e não guerra! Eh muito lindo vê a Bamor cantando e empurrando o time, mas se essas torcidas nao possuem uma boa liderança, que nao puni os badeneiros e que impeçam a violencia. Por mim tem que acabar as torcidas organizadas. Po que a vida do proximo vale mais do que o bahia ganhar de goleada do vitoria! E hoje, o ser humano soh pensa em ganhar tudo, mesmo que passe por cima dos outro!

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  2. Caio, também gostei do texto, mas o que ocorre não é uma "Torcida Organizada" são grupos preparados para "arrebentar" quem vem pela frente. Os atos acontecem antes durante e depois das partidas. Moro proximo aos estadios onde ocorrem Todos os jogos dos dois times citados e o clima da comunidade é sempre de TEMOR & TERROR. Não existe clima de FUTEBOL ou Esporte entre estas torcidas, são protagonistas de badernas, crimes, ofensas, arrebentam tudo o que está pela frente.....Concordo que precisamos de melhores condições sociais, educação, saude , trabalho, mas nem sempre os que participam das torcidas org, são pobres e sem condições sociais favoraveis. Acredite que tenho visto pessoas com formação, qualificação, social e economicamente estavel agindo de forma brutal. O esporte deveria ser praticado nas escolas Todas: publicas ou não, desde as primeiras series, mas não só o futebol, todas as modalidades de esportes. O futebol pelo mundo afora, virou um grande ring para lutas, demonstração de força, alcoolismo entre outras. O problema é CAPITAL, Os times ganham muito dinheiro ( por todo o mundo) o futebol é uma das maiores fontes de renda do mundo, junto com a produção das guerras, incrivel coincidencia...Imagina que para partidas decisivas temos mais policiais defendendo os estadios ( ou o patrimonio deles) que a rotina do dia a dia com a segurança da população. O contigente de policiais, agentes de trafego e outros profissionais que deveriam estar garantindo a tranquilidade e conforto da população é toda direcionada para o evento....pois todos sabem que mesmo não sendo o objetivo do esporte, "a coisa ferve"... A cada evento deste tipo ( violento) a torcida deste deveria ser suspensa em 10 jogos e o time perder 05 pontos na tabela, revertidos psra o adbversario, Veja cmo se comportam os torcedores do Boi de Parintins, mesmo que a rivalidade seja maior que a do futebol, não existe este tipo de coisa, pois existem regras para as torcidas.
    Forte Araço

    Antonio Almeida

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