Por Maria Inês Nassif, no sítio Carta Maior:
É o horror. Nada mais precisa ser dito para descrever a operação de despejo de Pinheirinho, em São José dos Campos, e a ação policial contra os usuários de crack no centro da capital, na chamada Cracolândia. Mas existem muitas explicações para a truculência, a desumanidade, a destituição do direito de cidadania aos pobres pelo poder público paulista.
A primeira delas é tão clara que até enrubesce. Nos dois casos, trata-se de espantar o rebotalho urbano de terrenos cobiçados pela especulação imobiliária. O Projeto Nova Luz do prefeito Kassab, que vem a ser a privatização do centro para grandes incorporadoras, vai ser construído sob os escombros da Cracolândia, sem que nenhuma política social tenha sido feita para minorar a miséria ou dar uma opção séria para crianças, adolescentes e adultos que se consomem na droga.
O terreno desocupado com requintes de crueldade em São José dos Campos, de propriedade da massa falida do ex-mega-investidor Naji Nahas, que já era de fato um bairro, vai ser destinado a um grande investimento, certamente. O presente de Natal atrasado para essas populações pobres libera esses territórios antes que terminem os mandados dos atuais prefeitos, e o mais longe possível do calendário eleitoral. Rapidamente, a prefeitura de São Paulo está derrubando imóveis; a prefeitura de São José não deve demorar para limpar o terrreno de Pinheirinho das casas - inclusive de alvenaria - das quais os moradores foram expulsos.
Até outubro, no mínimo devem ter feito uma limpeza na paisagem, o que atenua nas urnas, pelo menos para a classe média, a ação da polícia. A higienização justifica a truculência policial. A "Cidade Limpa" de Kassab, que começou com a proibição de layouts na cidade, termina com a proibição de exposição da pobreza e da miséria humana.
A segunda é de ordem ideológica. Desde a morte de Mário Covas, que ainda conseguia erguer um muro de contenção para o PSDB paulista não guinar completamente à direita, não existe dentro do partido nenhuma resistência ao conservadorismo. Quando Geraldo Alckmin reassumiu o governo do Estado, em janeiro de 2011, muitas análises foram feitas sobre se ele, por força da briga por espaço político com José Serra dentro do partido, iria trazer o seu governo mais para o centro. A referência tomada foi o comando da Segurança Pública, já que em seu mandato anterior a truculência do então secretário, Saulo de Castro Abreu Filho, virou até denúncia contra o governo de São Paulo junto à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.
O fato de ter mantido Castro fora da Segurança e se aproximado do governo federal, incorporando alguns programas sociais federais, e uma relação nada íntima com o prefeito da capital, deram a impressão, no primeiro ano de governo, que Alckmin havia sido empurrado para o centro. O que não deixava de ser uma ironia: um político que nunca escondeu seu conservadorismo foi deslocado dessa posição por um adversário interno no partido, José Serra, que, vindo da esquerda, tornou-se a expressão máxima do conservadorismo nacional.
Isso não deixa de ser uma lição para a história. Superado o embate interno pela derrota incondicional de José Serra, que desde a sua derrota vinha perdendo terreno no partido e foi relegado à geladeira, depois da publicação de "Privataria Tucana", do jornalista Amaury Ribeiro Júnior, Alckmin volta ao leito. O governador é conservador; o PSDB tornou-se orgânicamente conservador, depois de oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e oito anos de posição neoudenista. A polícia é truculenta - e organicamente truculenta, já que traz o modelo militar da ditadura e foi mais do que estimulada nos últimos governos a manter a lei, a ordem e esconder a miséria debaixo do tapete.
O nome de quem faz a gestão da Segurança Pública não interessa: está mais do que claro que passou pelo governador a ordem das invasões na Cracolândia e em Pinheirinho.
Outra análise que deve ser feita é a da banalização da desumanidade. Conforme a sociedade brasileira foi se polarizando politicamente entre PSDB e PT, a questão dos direitos humanos passou a ser tratada como um assunto partidário. O conservadorismo despiu-se de qualquer prurido de defender a ação policial truculenta, de tomar como justiça um Judiciário que, nos recantos do país, tem reiterado um literal apoio à propriedade privada, um total desprezo ao uso social da propriedade e legitimado a ação da polícia contra populações pobres (com nobres exceções, esclareça-se).
Para os porta-vozes desses setores, a polícia, armada, "reage" com inofensivas balas de borracha à agressão dos moradores que jogam pedras perigosíssimas contra escudos enormes da tropa de choque. No caso de Pinheirinho, a repórter Lúcia Rodrigues, que estava na ocupação, na sexta-feira, foi ela própria alvo de duas balas letais, vindas da pistola de um policial municipal. Ela não foi atingida, mas duvida, pela violência que presenciou, das informações de que tenha saído apenas uma pessoa gravemente ferida daquele cenário de guerra.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Um comentário:
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Em relação a Polícia, eles são extremamente "seguidores hierárquicos", parece que é questão de honra seguir as ordens (além do Código Penal Militar. rsrs)... para mim a Polícia não foi a "vilã", uma vez que estava cumprindo ordens... os vilãos são "quem manda"... o Comandante Geral, o Secretário de Segurança Pública e, principalmente o Governador e a Justiça do Estado de São Paulo... que através da Juíza responsável pela decisão proferiu a decisão mais errada da história recente do Tribunal...
ResponderExcluirO Direito não é, nem pode ser neutro, ele esta inserido num meio social... as decisões, evidentemente, devem ser a mais axiológica possível, contudo, ainda assim, os magistrados devem observar, o "caso concreto", as implicações de sua decisão... deve se valer dos princípios constitucionais... A Propriedade não pode se protegida a todo custo, ela deve atender ao princípio da Função Social... e num Estado Democrático de Direito (e Civilizado) isto não poderia acontecer... ainda mais que tem previsões legais para desapropriação da área para regularização fundiária e, havia uma negociação em andamento.
O que fizeram em Pinheirinho foi, e é, desumano... onde está o pessoal dos Direitos Humanos neste momento? Só reivindicam direito de presos? Onde está o princípio da Função Social da Propriedade? Se a propriedade não tava atendendo à função, nada mais justo que o Poder Público efetuasse a desapropriação do imóvel para regularizar a situação fundiária para as famílias... no próprio Estatuto da Cidade tem essa previsão... na verdade é um dos fatos geradores da Transferência do Direito de Construir, em que todos poderiam se beneficiar, a população e o “dono” do imóvel... mas o poder econômico é mais forte que o social...
Enfim, estou profundamente “sentido” com a situação daquelas famílias... mas uma vez me pergunto: Onde está o Estado Democrático de Direito?