Por Caio Botelho
A equipe cearense levou o título depois de jogar melhor e vencer as duas partidas, inclusive a que foi disputada na Fonte Nova, lotada por apaixonados torcedores do Tricolor da Boa Terra. O primeiro placar foi 1 x 0 e o segundo 2 x 1, sempre favoráveis ao “Vozão”.
Hoje, a Copa do Nordeste é a competição regional mais rentável, de maior sucesso e com a maior média de público do país, superando inclusive os badalados campeonatos paulista, carioca, mineiro e gaúcho. Não à toa que Flamengo (veja aqui) e Goiás (leia aqui) já manifestaram a intenção de participar da competição, tendo, por enquanto, suas solicitações negadas.
Mas, além disso, a realização da Lampions League representa também um gesto de resistência e rebeldia da região.
Isso porque a história da Copa do Nordeste não é nada fácil. Criada efetivamente em 1994 (antes havia sido realizada uma edição em 1976), passou para o comando da CBF em 1997, e as edições seguintes colecionaram um sucesso após o outro. A Copa se consolidava, crescia e ganhava robustez, ao ponto de começar a ameaçar os interesses de certos cartolas, preocupados com o novo polo de desenvolvimento que o futebol brasileiro ganhava.
Tais condições fizeram com que a CBF cancelasse o torneio em 2004. Oficialmente, a alegação era de que não havia mais espaço no calendário do futebol para a sua realização. Claro que ninguém caiu no conto da cartolagem e a atitude gerou inúmeras revoltas e protestos dos clubes e torcedores nordestinos. Além disso, a entidade máxima do futebol canarinho buscou de todas as formas inviabilizar a realização da Copa por outros meios. A briga foi parar na justiça e, depois de alguns anos, a CBF se viu obrigada a fazer um acordo para permitir o retorno da competição.
Desse modo, desde 2013 a Copa do Nordeste vem sendo disputada continuamente. A responsabilidade por sua organização pertence à Liga de Futebol do Nordeste, formada por quinze clubes da região², e o campeão garante uma vaga para a Copa Sul-americana.
O centro da questão é que a valorização do futebol para além do eixo Sul-Sudeste (ou Rio – São Paulo) é passo indispensável no processo de rediscussão do esporte favorito dos brasileiros. É evidente que um campeonato que se pretende nacional não pode ter dezoito dos vinte clubes da Série A concentrados em duas regiões, ao passo em que o Nordeste conta com apenas um representante, o Centro-Oeste com outro e o Norte com nenhum.
Desde que o sistema de pontos corridos foi adotado, nunca um Clube do Nordeste conseguiu se classificar para a Libertadores da América, e o time da região que ficou por maior tempo consecutivo na elite foi o Bahia, cuja última permanência durou cinco anos, antes de ser rebaixado em 2014.
Mas pudera: no ano passado o Clube baiano contou com uma receita de R$ 75,8 milhões e outro rebaixado, o Vitória, teve R$ 61,8 milhões – foram as duas receitas mais altas de clubes do Nordeste. Por outro lado, os quatro classificados para a Libertadores contaram com um aporte financeiro algumas vezes maior: o Internacional, R$ 221,5 milhões; o Cruzeiro, R$ 223,2 milhões; o São Paulo, R$ 255,3 milhões; e o Corinthians, R$ 258,2 milhões. O Flamengo, mesmo terminando na 10ª posição, teve uma receita de R$ 347 milhões (sobre as receitas leia aqui). Tais valores são turbinados por uma questionável fórmula de distribuição de cotas de televisão, com a Rede Globo na condição de protagonista dessa imoralidade. Nesses termos, os clubes de fora desse eixo ficaram praticamente relegados à disputa pela zona do rebaixamento.
Aliás, o combate à invisibilidade na grande mídia é outro desafio a ser superado. Em 2014, a Globo transmitiu, para Salvador, mais jogos do Flamengo no campeonato brasileiro do que do Bahia e do Vitória juntos, mesmo os dois times baianos tendo maiores torcidas do que o clube carioca na região (o que joga a já falaciosa justificativa da audiência para as cucuias) e todos estarem disputando a Série A. O referido título do Ceará ganhou, quando muito, curtas matérias em alguns sites e programas da mídia hegemônica.
É uma clara demonstração de que a luta pela democratização dos meios de comunicação pertence também ao mundo do futebol, e suas torcidas precisam abraçar essa bandeira, já que nela também está incluída a defesa do conteúdo regional nas programações.
Não se trata, evidentemente, de estimular falsas polarizações regionais, do tipo Nordeste versus Sudeste. Pelo contrário. Os grandes clubes paulistas, cariocas, mineiros e gaúchos possuem imensas e apaixonadas torcidas. São portadores de incontestáveis títulos e carregam fortes tradições. Merecem o respeito e admiração de todos os que gostam de futebol.
Além do mais, a formação histórica do Brasil teve como resultado um povo uno, que não se divide em rivalidades regionais menores e valoriza a unidade de nossa Nação (o que não é contraditório com a defesa e valorização das diversidades nela existentes).
Mas equilibrar o jogo fora das quatro linhas é indispensável para que dentro delas possamos contar com espetáculos ainda mais bonitos. Clubes fortes no Nordeste, Centro-Oeste e Norte interessam a todos os brasileiros, na medida em que nivelarão ainda mais por cima o nosso campeonato (que precisa ser efetivamente do conjunto do país) e o tornarão mais competitivo.
Tenham certeza: torcida e amor ao futebol não faltam por essas bandas.
¹ A grande imprensa tem divulgado (propositadamente) a falsa informação de que o maior público do ano teria ocorrido no jogo entre Vasco x Botafogo pela final do Campeonato Carioca. Na verdade, quando contamos apenas com o público pagante (o que é mais coerente), foram 58.446 pessoas presentes no Maracanã, cerca de cinco mil a menos dos que estiveram no Castelão.
² São eles: ABC, América, Confiança, Botafogo-PB, Ceará, CSA, CRB, Náutico, Sergipe, Bahia, Vitória, Fluminense de Feira, Fortaleza, Treze e Santa Cruz.
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