Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:
O momento é delicado. Mas em uma perspectiva histórica, o cenário pela democratização da comunicação no Brasil nunca foi melhor. Essa é a avaliação feita pelo professor Laurindo Leal Filho, o Lalo, e por Rosane Bertotti, coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Em debate na Reunião dos Núcleos Estaduais do Barão de Itararé, realizada no sábado (28), em São Paulo, eles reforçaram a necessidade de pressionar o governo pela regulação da mídia, mas reconheceram que a composição conservadora do Congresso será um empecilho. Apesar disso, ambos celebraram o fato de o tema estar em evidência na sociedade. Há 10 ou 15 anos, lembraram, o assunto era restrito a rodas de intelectuais ou sindicalistas.
“É uma luta árdua e que não termina em 2015, nem em 2016”, argumenta Bertotti. Apesar das sinalizações de Ricardo Berzoini [ministro das Comunicações], que já sentou para dialogar com o FNDC, ela opina que, enquanto a Câmara for chefiada por Eduardo Cunha, será difícil vencer essa disputa. “Precisamos fazer o processo de debate durante esse biênio”, defende, ressaltando a importância do Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação (ENDC), agendado para os dias 10, 11 e 12 de abril, em Belo Horizonte. A atividade reunirá diversos setores e atores interessados na democratização da comunicação.
Para Lalo, só será possível transformar o quadro de concentração e monopólio se quebrarmos a “aura” de que a grande mídia é intocável. “Uma das razões de não haver regulação é essa subserviência dos dirigentes políticos, e até mesmo sindicais, em relação aos meios de comunicação”, avalia. “Criou-se esse consenso de que a mídia é o 'quarto poder', o que ela não é. Ela é, sim, um poder político e econômico até maior que os poderes republicanos”, reflete. “A maioria ainda se ajoelha perante o poder da mídia. No imaginário dos dirigentes, confrontar a mídia é ser derrubado”.
Um dos maiores especialistas em comunicação no Brasil, Lalo recorda que para a indústria, por exemplo, há órgãos reguladores – O CADE, no caso. “Duas empresas não podem ter duas marcas de pasta de dente e monopolizar o mercado, mas a mesma lógica não é aplicada na mídia, onde a propriedade cruzada impera.”. Não temos nem a regulação econômica, uma das promessas eleitorais de Dilma Rousseff, e muito menos a regulação de conteúdo. “Apesar de os barões da mídia acusarem censura, temos que ressaltar que o conteúdo pode provocar danos ou influenciar decisões nos corações e mentes das pessoas”.
O caminho óbvio, para Lalo, é a lei de meios. “Essa lei é para o audiovisual, que usa concessões públicas e não pode ser monopolizado por meios comerciais”, diz. “Além disso, precisamos fortalecer a comunicação pública e comunitária. Não temos, como na Argentina, na Venezuela e em outros países do continente, nenhum 'alto-falante' que faça contraponto à mídia hegemônica”.
De acordo com Rosane Bertotti, o período de mudanças concretas na vida do povo brasileiro nos últimos 12 anos contrasta com uma grande dificuldade em fazer o debate político e a disputa de ideias. “Nós, enquanto movimento social, conseguimos, pelo trabalho de base, quebrar um pouco esse processo hegemônico da mídia. Mas, mesmo assim, ela tem conseguido cumprir sua agenda conservadora”, pontua.
O Ministério das Comunicações com o ex-ministro Paulo Bernardo, avalia, deixou de ser um Ministério de debate sobre políticas para a comunicação, tornando-se apenas um instrumento das empresas privadas do setor. “O MiniCom precisa se colocar nesse debate político sobre a democratização da comunicação”, sublinha Bertotti.
Apesar de Ricardo Berzoini ter assumido a pasta com a missão de levar a cabo a regulação econômica da mídia, a coordenadora do FNDC conta que ele mesmo assinou a Lei da Mídia Democrática, de Iniciativa Popular. “Apesar disso, ele já nos avisou que não pode trabalhar com algo pronto, porque já nasceria 'morto'. A ideia dele é levar o debate para a sociedade e desmitificar o assunto”.
Conforme ela explica, a Lei da Mídia Democrática é o grande instrumento de mobilização e o ENDC, que terá uma marcha pela democratização da comunicação, deverá inflamar o debate na sociedade. “A conjuntura é difícil, mas sem dúvidas é uma bela luta. Quem luta pela democratização da mídia se apaixona, luta com sangue na veia”
Secretária-Geral do Barão de Itararé, Renata Mielli argumenta que, desde as vitórias eleitorais do campo progressista na América Latina, a mídia conservadora assumiu o papel partidário que a direita, desarticulada, não lograva cumprir. “A direita, entretanto, saiu do armário, mostrando sua faceta mais nefasta e intolerante”, observa, ponderando que o cenário atual da política é complexo e cheio de contradições. “No campo da comunicação, porém, parece haver mais convicções”, avalia. “Ou enfrentamos essa pauta estratégica que é a comunicação ou a tirania do dinheiro degolará qualquer projeto popular para o país”.
Para ela, caso o governo esteja realmente interessado em entrar nessa batalha, há muitas coisas que podem ser feitas mesmo sem lei de meios. “Há diversos pontos previstos na Constituição e no Código Brasileiro de Telecomunicações que podem ser colocados em prática”, diz. “Temos que pressionar o governo para que tome medidas. É possível obter conquistas e, consequentemente, dar amplitude às nossas bandeiras. Precisamos dessa sinalização”.
14 estados na luta pela democratização da comunicação
Evidência do fortalecimento da luta pela democratização da mídia são os 14 estados representados na reunião do Barão de Itararé, entidade dedicada à pauta e que, segundo o presidente Altamiro Borges, tem como principal característica construir a unidade na diversidade. “Podemos e devemos ter divergência em tudo, mas temos convicções unitárias quando se trata da comunicação”, frisa o jornalista e blogueiro.
São oito núcleos já consolidados, que representam o Barão de Itararé e organizam a luta pela democratização da mídia em suas regiões: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Paraná, Pará, São Paulo e Goiás. Além desses, Ceará, Santa Catarina, Pernambuco, Bahia, Amazonas, Maranhão e Rio Grande do Norte já articulam a formação de seus grupos. A ideia é que, no próximo período, mais regiões abracem a tarefa de capilarizar e dinamizar a luta por uma mídia mais democrática no país.
“Cada núcleo tem seu viés, sua área mais particular de atuação”, explica Altamiro Borges. “Não é espaço de disputa por poder, pois não há poder a ser disputado. É como uma rede, bastante horizontal, com a função de agregar pessoas e formar a militância para a extensa agenda de lutas no setor da comunicação”.
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