José Reinaldo é editor do Portal Vermelho |
Não foi só de natureza estética o choque provocado pela propaganda partidária que em pílulas de 20 segundos aparece nos últimos dias em avalanche no horário dito nobre da televisão aberta. Depois de uma semana inteira marcada pelas imagens feéricas do Carnaval, o público terá que se acostumar, pelo menos até a próxima quinta-feira (26), com os cenários e figuras nada carnavalescos de deputados, senadores e ministros anunciando que irão surpreender a nação com uma mensagem “de apoio ao Brasil.”
O impacto maior não vem das imagens soturnas, mas de uma mensagem subliminar, a de que na crise, nas dificuldades, nas circunstâncias em que são nítidas as ameaças à continuidade do processo de mudanças iniciado há 12 anos, à própria democracia e soberania nacional, o “maior partido do Brasil”, cujo principal dirigente ocupa o cargo de vice-presidente da República, está, mas não está com o governo, com a presidenta Dilma e demais forças que formam a coalizão no poder. A peça publicitária prefere dizer que “está com o Brasil”.
O Brasil vive uma encruzilhada diante da qual as ambiguidades e a confusão política constituem o pior caminho a seguir, o atalho para o caos e o abismo. De nada servem, tampouco, mensagens pretensamente messiânicas ou apocalípticas, evangelhos ou sentenças.
Para chegar até aqui, o povo brasileiro percorreu um caminho de luta, iniciado muito antes de 2002, quando o PMDB era uma espécie de frente democrática. Contraditório pela própria natureza de força frentista, esse partido contribuiu para as conquistas do povo brasileiro porque o vetor principal da sua ação caminhava no mesmo sentido da história. A agremiação outrora dirigida por Ulysses Guimarães cumpriu os objetivos a que se propunha porque a corrente autenticamente democrática e patriótica prevaleceu sobre a moderada-adesista. Não havia equívocos quanto a pôr fim à ditadura e redemocratizar o país. Nisto consiste o valor histórico de sua contribuição à luta do povo brasileiro.
É lícito que as forças progressistas e a grande maioria do povo brasileiro continuem esperando, nas condições atuais, a mesma coerência do PMDB. Ao fazer parte do governo progressista, com posição destacada, é de supor que seja também portador de uma mensagem progressista e reúna capacidades para anular qualquer hipótese de se tornar porta-voz de uma mensagem neoconservadora e oportunista, própria de um centrismo anacrônico. Fazer parte de um governo democrático e progressista é contraditório com uma postura de freio das mudanças, o fisiologismo, a chantagem e a barganha.
É por isso que aumenta cada vez mais o número daqueles que demonstram reserva, apreensão e oposição à linha geral que vem adotando o PMDB.
Na encruzilhada em que o país se encontra, o avanço das mudanças e reformas estruturais democráticas depende de opções mais nítidas das forças que conduzem o processo e da compreensão de que a luta política não começa nem termina na Esplanada dos Ministérios ou nas casas legislativas, por maior que seja a importância destas. Muito menos na mesa da Câmara, onde o peemedebista Cunha pode fazer o cambalacho e a chantagem que quiser, mas não tem o poder de decidir sobre os rumos do país nem de mobilizar o povo. Se no sistema presidencialista brasileiro, é forçoso levar em conta o variegado e dispersivo quadro partidário e a existência de um Poder Legislativo forte, não se pode eludir que no chamado presidencialismo de coalizão, o termo substantivo é o presidencialismo, o que dimana da força institucional intrínseca que o voto popular majoritário confere a quem exerce o mandato presidencial.
A imensa mobilização da militância de esquerda, das forças progressistas e de amplas camadas do povo brasileiro foi o fator decisivo para a grande vitória alcançada em outubro último com a reeleição da presidenta Dilma. A coalizão política e parlamentar existe para dar sustentação e consequência ao programa vitorioso nas urnas, não para estorvar sua aplicação, refrear as mudanças e desnaturar o sentido virtuoso do conceito de aliança, que não está desvinculado da luta e mobilização do povo, da existência de um núcleo de forças progressistas e de esquerda e da clareza quanto aos objetivos a perseguir – o aprofundamento da democracia, o fortalecimento da soberania nacional e o progresso social.
*José Reinaldo é jornalista, Diretor do Cebrapaz, membro da Rede de Intelectuais em Defesa da Humanidade e editor do Vermelho.
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