quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Sem emprego e indenização: passado ainda assombra mineiros chilenos

O então presidente do Chile, Sebastian Piñera, lucrou
politicamente com o resgate dos mineiros. Na foto, ele
segura o bilhete que diz "Estamos bem".
Por Gideon Long, da BBC.
Alex Vega estava presente no nascimento de seus três filhos, mas não lembra disso.
Ele se esquece das coisas, tem dificuldade em se concentrar e sofre alterações de humor. Ele está consultando um psiquiatra e está sendo medicado.
Mais de três anos depois de ele e outros 32 mineiros terem sido resgatados da mina de San José, no deserto chileno do Atacama - em uma história que capturou a imaginação do mundo -, Alex ainda tem pesadelos.
"Eu acordava achando que estava dentro de uma mina", contou à BBC. "Acordava gritando. Disse a mim mesmo que tinha de lidar com isso, então por uma semana fiquei em uma mina que pertencia a meu cunhado. A cada dia entrava um pouco mais, para superar o medo. Hoje meus pesadelos diminuíram."
"Estamos bem"
A história dos 33 mineiros do Chile foi uma das mais impressionantes de 2010.
Em agosto daquele ano, a mina de San José desmoronou, aprisionando os mineiros a 700 m abaixo do nível do solo.
Por 17 dias, pensou-se que eles estavam mortos.
Até que uma perfuração levou a um túnel. E os mineiros conseguiram prender na broca um bilhete dizendo: "Estamos bem, no refúgio, os 33".
Os mineiros sobreviveram por mais sete semanas com mantimentos enviados à mina, até finalmente serem trazidos de volta à superfície, um por um, em cenas assistidas ao vivo por milhões de pessoas ao redor do mundo.
Na época, muito foi prometido aos 33. Mas a realidade mostrou-se diferente.
"De repente, boom"
A maioria deles ainda tem acompanhamento psiquiátrico. Muitos estão desempregados ou dependem de trabalhos temporários.
Um foi enviado a uma clínica psiquiátrica em Santiago, e ao menos dois tiveram problemas sérios com drogas e álcool.
E nenhum recebeu nenhuma indenização por parte dos donos da mina.
"Pelos primeiros dois anos após o acidente, eu estava bem", conta Carlos Barrios, que tinha 27 anos à época do acidente. "Não sentia dores, jogava futebol, tinha um emprego. E de repente, boom!"
Barrios sofreu uma crise. Teve de abandonar seu emprego, em uma das maiores mineradoras de cobre do país, e está há um ano em licença médica.
"Fui a uma psiquiatra, mas ela só me deu remédios. Fiquei viciado e ainda os tomo", ele conta à BBC em Copiapó, cidade próxima à mina de San José.
"Tenho pesadelos, medo do escuro. Tenho uma filhinha e não posso dormir na mesma cama que ela e minha mulher porque tenho pesadelos e começo a atacá-las."
Omar Reygadas, um dos mineiros mais velhos, está há quase um ano sem um trabalho em período integral.
Aos 59 anos, ele diz que a fama conquistada pelos mineiros acabou prejudicando-os: "Ficamos conhecidos por causa do acidente. Fomos contactados pela imprensa, pelo governo. Então se vamos trabalhar em uma empresa e vemos que eles não estão fazendo as coisas direito, eles acham que vamos começar a bater em portas. As empresas têm medo de nos empregar."
Nenhuma compensação
Em agosto de 2013, a Promotoria encerrou uma investigação sobre o colapso da mina, alegando que não havia base para processar seus donos.
A decisão revoltou tanto os mineiros como o governo. Laurence Golborne, ministro de Minas do Chile na época do acidente, disse que isso era "inacreditável".
Ele afirmou que a mina não tinha um segundo túnel de saída, como obrigado por lei, e que uma chaminé, que poderia ter sido usada como passagem de escape, não tinha escada.
A maioria dos mineiros ainda tenta levar adiante processos judiciais civis contra os donos da mina e contra o Estado, na esperança de obter uma indenização, mas admitem que o caso pode se arrastar por anos.
Alex Vega diz ter perdido "toda a fé" no governo por não honrar as promessas de ajuda em assistência social e treinamento.
Ele diz que aos 33 foi prometida uma pensão, recebida apenas pelos 14 mineiros mais velhos.
"Nos prometeram tratamento dentário porque ficamos tanto tempo bebendo água de tanques subterrâneos que estragaram nossos dentes, mas não recebemos nada", queixa-se.
O governo, por sua vez, diz que há limites para o que pode fazer, argumentando que uma associação privada está encarregada da saúde mental dos 33 e que as indenizações têm de ser decididas pela Justiça.
Hollywood
Dentro de alguns meses, uma equipe de Hollywood irá ao Chile para filmar a versão cinematográfica da história, com base nos testemunhos dos homens.
Segundo relatos, a história será estrelada por Antonio Banderas, Juliette Binoche e Martin Sheen.
A produtora prometeu aos mineiros uma porcentagem da arrecadação do filme, mas é improvável que isso lhes devolva a paz de espírito.
Três anos após sua tragédia, os 33 mineiros chilenos não se tornaram celebridades reconhecidas ou milionários, como muitos pensaram.
Em muitos casos, eles ainda lutam contra o trauma do ocorrido nos extraordinários dias de 2010.

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