Por Paulo Nogueira*
A miséria e a grandeza humana se encontraram numa padaria de Natal neste final de ano.
A miséria foi representada pelo desembargador Dilermando Motta, e a grandeza pelo cidadão Alexandre Azevedo.
Um garçom foi o palco involuntário do combate entre a grandeza e a miséria.
Segundo os relatos, o desembargador pegou o garçom pelos ombros aos gritos e o mandou tratá-lo como “excelência”. Ameaçou “quebrar a cara” do garçom.
Alexandre reagiu, e isto está registrado num vídeo (veja abaixo) que está sendo intensamente visto e compartilhado na internet.
Numa nota sobre o caso, Alexandre citou Darcy Ribeiro. “Ele dizia que só há duas opções na vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.”
O desembargador chamou a polícia na padaria, depois de dizer que Alexandre seria preso imediatamente. Quatro viaturas logo acudiram. Mas, feitas perguntas aos presentes, ninguém foi preso.
“Bando de cagão”, disse o desembargador aos policiais segundo Alexandre.
Num mundo menos imperfeito, uma prisão teria sido feita: a do desembargador, por abuso de autoridade.
Num mundo menos imperfeito, o caso teria conquistado repercussão nacional na mídia. Mas a mídia brasileira não dá voz aos desvalidos, aos humilhados e ofendidos.
Na Inglaterra, em 2012, ocorreu um episódio de certa forma assemelhado. Um alto funcionário da equipe do premiê Cameron foi acusado de chamar de “plebeus” os policiais que não o deixaram sair de bicicleta pelo portão principal de Downing Street, a sede do governo. Os policiais pediram que ele usasse a saída dos pedestres.
Foi uma comoção nacional. A mídia chamou o caso de “Plebgate”. Em pouco tempo, o acusado perdera o emprego depois de já haver perdido a reputação.
No Brasil, a reação ao comportamento do desembargador se restringiu essencialmente às redes sociais, o que mostra o divórcio entre a mídia e a realidade dos brasileiros.
No começo deste ano, a única vítima do episódio era o garçom. Ele foi afastado por estar com problemas psicológicos, segundo a padaria. Foi colocado em “férias”.
O desembargador, numa nota, afirmou que está tomando as “providências cabíveis”.
Não poderia haver retrato melhor da justiça brasileira e nem da mídia, que só dá voz a quem já a tem em alta escala.
A internet faz seu papel: reage ao abuso e, como Alexandre, defende vigorosamente o garçom.
No momento em que escrevo, nem um único repórter fora convocado para ouvir a história do garçom. Ninguém fora à sua casa, que podemos bem imaginar como seja.
Nenhuma autoridade – federal, estadual, municipal – se pronunciara em favor dele.
E o desembargador viverá em 2014 como sempre viveu, sabedor dos poderes que o cargo lhe dá.
*Paulo Nogueira é jornalista, fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
As opiniões aqui expressas não necessariamente refletem a posição deste Blog, sendo de responsabilidade exclusiva dos leitores. Não serão aceitas mensagens com ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência. Não há moderação de caráter ideológico: a ideia é promover o debate mais livre possível, dentro de um patamar mínimo de bom senso e civilidade.