A economia é uma (vá lá) ciência difícil. Keynes dizia que os requerimentos exigidos do bom economista eram muitos: ele deveria combinar os talentos do “matemático, historiador, estadista e filósofo (na medida certa). Deve entender os aspectos simbólicos e falar com palavras correntes. Deve ser capaz de integrar o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o mesmo voo do pensamento. Deve estudar o presente à luz do passado tendo em vista o futuro. Nenhuma parte da natureza do homem deve ficar fora da sua análise. Deve ser simultaneamente desinteressado e pragmático: estar fora da realidade e ser incorruptível como um artista, estando embora, noutras ocasiões, tão perto da terra como um político”.
No livro The World in the Model – How economists work and think, Mary S. Morgan conta a história da “evolução” da dita ciência econômica: a longa e controvertida caminhada da Economia Política para a “economia científica” concentrada na construção de modelos formais ou na utilização de técnicas econométricas para demonstrar relações de determinação entre variáveis a partir de supostos teóricos discutíveis.
A modelística macroeconômica contemporânea não foi capaz de realizar a delicada operação sugerida por Keynes de “integrar o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o mesmo voo do pensamento”.
O exemplo mais conspícuo desse fracasso ontológico e epistemológico foi sintetizado na resposta que o nobelizado Robert Lucas deu à indagação da rainha Elisabeth II, depois da crise. Em visita à London School of Economics a rainha perguntou por que os economistas não haviam previsto a crise. Lucas respondeu em um artigo na revista The Economist em 2009: “A crise não foi prevista porque a teoria econômica prevê que esses eventos não podem ser previstos”.
Os economistas parecem dar de ombros às mágoas da gente leiga, ainda que instruída e letrada nas coisas da ciência. Prosseguem impávidos, construindo os seus “modelos”, errando mais do que acertando as suas previsões, lançando recomendações e julgamentos peremptórios sobre as políticas econômicas, em geral sugeridas, ou até mesmo conduzidas por outros economistas. Há razões para suspeitar que, com essa atitude, preparam o terreno onde hão de brotar e vicejar mais ressentimento e indignação.
A estirpe dos Nassau Senior, dos Bastiat, dos Jean-Baptiste Say, dos Jevons e dos Walras – são precursores dos mais eminentes economistas modernos nos esmeros em demonstrar a harmonia do capitalismo, ou seja, a equivalência de poder entre os protagonistas das relações de mercado e a existência de forças compensatórias e “automáticas” que não só impediriam a ocorrência das crises como também colocariam todos diante de oportunidades iguais mediante a livre concorrência. Trataram de demonstrar o caráter harmônico do capitalismo e a justiça natural da concorrência em todas as esferas da vida e, portanto, postularam a impossibilidade das crises.
Alexander Rosenberg, conhecido filósofo da ciência, interpelou as pretensões científicas da economia no livro Economics – Mathematical politics or science of diminishing returns? Rosenberg conclui que, na contramão da trajetória de outros saberes, a economia é insensível às mudanças de paradigma que afetam as demais ciências e tornam obsoletas ou imprestáveis certas categorias do entendimento. A Geometria Euclidiana perdeu sua “generalidade” quando em 1919 as observações confirmaram a Teoria da Relatividade Geral, o que subverteu as relações espaço-tempo. Mas é sabido que Albert Einstein relutou em abandonar o determinismo ao decretar: “Deus não joga dados”. A física dos quanta radicalizaria a revolução científica ao se desvencilhar completamente do determinismo da física clássica – a física dos grandes corpos, como a define Louis de Broglie.
Lucas é o pai dos Modelos Dinâmicos Estocásticos de Equilíbrio Geral, cujo desempenho preditivo tem sido mais do que deplorável. Em sua formulação original, o modelo simplesmente só consegue obter um equilíbrio único com a exclusão do crédito e dos bancos de seu conjunto de variáveis.
Diante da crise financeira de 2008, outros pais da matéria empenharam-se em dar tratos à bola e se entregaram a calistenias matemáticas para incluir o crédito e os bancos em seus modelos amarrados em toscos supostos.
Isso me traz à memória a frase do grande Ary Barroso (lembram Aquarela do Brasil?) ao narrar um jogo amistoso da Seleção Brasileira. Já ia longe o segundo tempo quando o então treinador Flávio Costa substituiu o finíssimo Bauer pelo grotesco Belfare, “alfo” do Corinthians. Barroso disparou: “Parece um capiau na Broadway”.
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