A Independência do Brasil, cujos 190 anos são comemorados hoje, resultou de um longo processo de lutas históricas e sociais, e o 7 de setembro é a data simbólica de um passo civilizatório fundamental: o anúncio ao mundo da autonomia política brasileira afirmada naquele longínquo 1822.
Naquele momento o Brasil rompeu com toda ilusão de continuar ligado a Portugal de alguma maneira (havia, então, o projeto de uma monarquia luso-brasileira) e o país passou a buscar rumos próprios para seu desenvolvimento e afirmação nacional.
Foi um projeto difícil e a luta para completar o processo então iniciado atravessou os tempos. A elite brasileira que comandou o rompimento com Portugal conseguiu manter a mesma estrutura escravista, latifundiária e colonial que fundamentava seu mando e o Brasil continuou uma nação profundamente antidemocrática, autônoma mas com papel subordinado na divisão internacional do trabalho, cabendo-lhe fornecer alimentos e matérias primas consumidas no mercado externo.
Embora muito ciosa da autonomia política do país, sob o Império e a chamada República Velha (1889-1930) aquela classe dominante foi uma espécie de sócia interna da exploração colonial. Nesse contexto, o embate pela plena afirmação da soberania brasileira envolvia diretamente a luta pela superação do latifúndio, pela afirmação democrática e pelo desenvolvimento econômico nacional.
A luta pela industrialização andou de mãos dadas, no Império, com a campanha pela proibição do trabalho escravo, alcançada em 1888. Foi parelha também do clamor pela República, que chegou logo depois, em 1889 – novos passos importantes no desenvolvimento da civilização brasileira. Mas o embate entre os dois projetos de nação, que se anunciou já no momento da Independência – um, subordinado aos interesses econômicos externos e, na verdade, sócio interno deles; e o outro, de pleno desenvolvimento e afirmação soberana da nação – atravessou as décadas seguintes. A ponto do historiador Sérgio Buarque de Holanda registrar, no clássico Raízes do Brasil (1936), a esperança de que a nova etapa na história brasileira iniciada com a revolução de 1930 completasse o trabalho autonomista iniciado em 1822.
A conquista da Independência política, em 1822, abriu perspectivas imensas para a nova nação, mas esse avanço envolveu novas e intensas lutas nacionais de resistência anticolonial e, desde o inicio da República (1889), anti-imperialista. O embate entre os dois modelos de desenvolvimento (um dependente e outro autônomo), ao longo da história, combinando a luta interna contra os representantes e aliados dos interesses imperialistas, é o mesmo combate de 1822, com feição moderna e enfrentando os desafios contemporâneos.
É o combate que, hoje, opõe as forças progressistas, patrióticas e democráticas, contra os bisnetos da elite colonialista que dominou, há 190 anos, o processo de separação com Portugal mas manteve o latifúndio escravista, a subordinação econômica externa, e um sistema político antidemocrático que negava o protagonismo popular e reprimia os sentimentos de liberdade.
Hoje, a resistência – que avança no país – contra o neoliberalismo e as forças conservadoras e reacionárias que se apoiam nele tem o mesmo sentido da luta pela afirmação nacional, desenvolvimento do país e fortalecimento da democracia. Representa a busca de um novo avanço civilizatório, semelhante ao alcançado em 1822, e que o aprofunda e completa. Embora num sentido mais avançado, continua sendo a mesma luta enfrentada pelos patriotas há quase dois séculos.
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