Três dias no inferno
Hiroshi Nakamura, de 80 anos, é uma figura miúda e respeitável como a serena natureza da sua terra. Ele vivia a 8 km do epicentro das tragédias provocadas pela prepotência estadunidense em agosto de 1945. “Senti um ruído ensurdecedor e vi um grande raio de luz que me deslumbrou e não soube o que fazer...”. Ele tinha 13 anos à época. Fugindo do fogo, cruzava apenas com espectros de seres humanos sem cabelos, com o rosto enegrecido e as roupas desfeitas. “Alguns iam completamente nus, com braços cruzados como que tentando cobrir o peito e não era possível saber se eram homens ou mulheres de tão deformados que estavam...”
Ele esteve por três dias ajudando a mover cadáveres. Ele tinha que pegá-los pelos tornozelos e no começo não conseguia alcançá-los porque a carne caía ou se desprendia. Alguém então gritou que ele colocasse os dedos até o osso. “Mas eu era apenas um garoto de 13 anos e meu corpo estava paralisado. ‘Não é um homem japonês’? me gritaram. Então me resignei e introduzi meus dedos nas carnes decompostas e apertei forte... Carreguei em torno de 30 corpos para os caminhões e os levamos até uma grande fossa fora da cidade e ali os deixamos... foram três dias no inferno”.
A tragédia de Nakamura, no entanto, não terminou com o fim da 2ª Guerra Mundial. Ao longo da sua vida, o inferno se manteve com as constantes doenças que começaram com a queda de cabelos poucos dias após o ataque, sangramento na gengiva, emagrecimento repentino, anomalias hormonais, cinco cirurgias devido ao câncer... “Os danos que as radiações provocaram em mim têm feito eu sofrer durante toda a vida...” Hoje mesmo, enquanto chegava a Havana, no Japão morria uma irmã, outra hibakusha, sobrevivente de Hiroshima.
“Esta pode ser a última vez que conto minhas experiências”, afirma o homem que, apesar dos sofrimentos, considera uma honra ter vivido tantos anos para contar ao mundo o profundo dano físico e psíquico que provoca o contato humano com a energia nuclear. Ele citou ainda uma pessoa próxima, cujo pensamento compartilha: “então, em nome dos hibakushas, pedimos a Fidel que encabece um movimento para promover as zonas desnuclearizadas em todo o planeta e que convoque os prefeitos do mundo pela paz, promovendo a eliminação de todas as armas nucleares”.
Nosso dever é divulgar outros testemunhos
Os irmãos japoneses – começou dizendo Fidel após escutar os participantes no fórum – estão acrescentando um problema novo, que tem relação não só com o uso da bomba atômica ou com o acidente de Chernobil, mas com acidentes naturais ou não que são desencadeados pelo uso não controlado da energia nuclear.
“É muito importante valorizar o que ocorreu em 1945 e o que veio depois com o uso em Chernobil, sem muita segurança, dessa energia naquela, originando um grave acidente... Se continuássemos procurando, poderíamos conhecer com mais detalhes as consequências daqueles testes que foram feitos no Pacífico Sul, entre elas os que provocaram as chuvas radioativas. Agora temos novas notícias, após o acidente de Fukushima. Por exemplo, que a Alemanha já anunciou que vai fechar todas as usinas nucleares”, enumerou.
Quase ninguém tem meditado muito sobre o fato de que hoje a energia nuclear está menos protegida que nunca, ressaltou o líder. “Um avião pequeno pode provocar uma catástrofe muito maior que Chernobil. E qual poderia ser causada por um louco? Ou um suicida? E acaso não há? No entanto, um homem com um botão nuclear pode criar uma pior. Na época de Hiroshima e Nagasaki ninguém dispunha de tal botão. Existiam apenas duas bombas no mundo e foram lançadas deliberadamente... Ninguém tinha então um botão nuclear”, acrescentou Fidel.
Hoje a situação mudou e a humanidade está mil vezes mais vulnerável. Ele explicou que “são 25 mil armas nucleares que o mundo tem e cada vez são mais automáticas as respostas possíveis porque os homens não dispõem de tempo para tomar as decisões”.
Por isso, o comandante ressaltou que “é nosso dever divulgar tudo isso. Essa é a melhor forma de apoiar o esforço das vítimas daquele bárbaro e brutal ataque contra Hiroshima e Nagasaki”. E concluiu: “o mundo tem que defender a causa mais importante de todas: a sobrevivência da espécie”.
“Um ato de racismo nuclear”
Foi nesses termos que se expressou o presidente da Associação de Vítimas das armas nucleares do Taiti, Roland Olham, que denunciou a França por seus testes nucleares primeiro na Argélia e, após a independência desse país, na chamada Polinésia Francesa, no Atlântico Sul.
Por mais de 30 anos, entre 1960 e 1996, explodiram nesse pequeno território 133 bombas, a maior concentração de provas nucleares em um só lugar do planeta.
Os estadunidenses, os ingleses e os franceses utilizaram o Pacífico para seus testes nucleares. Algumas ilhas do Pacífico, como o Atol de Muroroa, seguem sendo usadas como depósito de resíduos nucleares. Ali foram feitas mais de cem provas subterrâneas e o atol está a ponto de se fragmentar e pulverizar. Se desmoronar, poderia provocar um tsunami que causaria uma grande catástrofe não apenas para o Pacífico, mas para todo o mundo, pela quantidade de material radioativo, químico, que contaminaria a vida marinha.
“O que os franceses têm feito em meu país é um ato de agressão contra a minoria que somos. É um ato de racismo que eu denomino ‘racismo nuclear’”. E criticou o Ocidente, que enquanto fala de paz, “tem sangue nas mãos” e assegurou: “não se pode ter paz por meio de armas nucleares”.
Após ouvir a intervenção do taitiano, Fidel seguiu o fio da narração e questionou: “o que fazer? Como ajudar nesse gravíssimo problema que a humanidade tem diante de si?” Para ele, o assunto primordial é reconhecer que “um mundo com armas nucleares não pode existir. Não é compatível a paz com as armas nucleares, um fato que qualquer um pode comprovar”.
A primeira e grande preocupação de Fidel – tema que voltou mais de uma vez no fórum – é “o que fazer pela sobrevivência da humanidade”. Entre as várias menções à questão, ele foi conclusivo: “nada pode nos tirar a liberdade de influenciar os demais, dando a conhecer a verdade que é a única forma de mudar os acontecimentos... Trata-se de uma batalha que estamos obrigados a vencer, e temos que fazer todo o possível para ganharmos o direito de seguir existindo”.
Da Redação do Vermelho,
com informações do CubaDebate
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