A verdade que torturadores, assassinos e criminosos políticos da ditadura de 1964 (juntamente com aqueles que os apoiam) querem esquecer, sobre as barbáries cometidas durante o período em que dominaram o país, começa a ganhar as ruas pela ação da juventude, levada pelo movimento Levante Popular da Juventude que, em hora apropriada, realizou ações contra torturadores e assassinos políticos em sete cidades brasileiras. A propriedade da hora é ressaltada pela iminência da nomeação, pelo governo federal, dos membros da Comissão da Verdade, e por ocorrer às vésperas da data escolhida por direitistas e conservadores – civis e militares saudosos da ditadura –, que se mobilizam para comemorar os 48 anos do golpe militar de 1º de abril de 1964.
O movimento se proclama, em seu manifesto, herdeiro dos lutadores contra a ditadura militar, vítimas da tortura e do assassinato político. Pretende, explicitamente, resgatar e revelar esta parte sombria da história que parece – diz aquele documento – “ser propositadamente esquecida: a ditadura militar”, época em que ”jovens como nós, mulheres, homens, trabalhadores, estudantes, foram proibidos de lutar por uma vida melhor, foram proibidos de sonhar” por uma ditadura “que cruelmente perseguiu, prendeu, torturou e exterminou toda uma geração que ousou se levantar”. Não deixaremos, diz, “que a história seja omitida, apaziguada ou relativizada por quem quer que seja”. Lembrando os que foram assassinados e torturados por ousar pretender “construir uma sociedade mais justa”, asseguram: essa “é também a nossa história”, dizendo: “nós somos seu povo”. E garantem: “Torturadores e apoiadores da ditadura militar: vocês não foram absolvidos!”
As ações ocorreram nos locais de moradia ou trabalho de reconhecidos torturadores que, ocultos pela falta de divulgação das barbaridades que cometeram, tocam a vida organizada e confortável, como se nada tivesse acontecido e apesar de todo o mal e sofrimento que causaram.
Manifestações barulhentas, com tambores e mobilização de jovens, cartazes e pichações do tipo “aqui mora um torturador” expuseram, em eventos que apelidaram de “escrachos” ou “esculacho”, para vizinhos e pessoas das relações de antigos agentes da ditadura os crimes que cometeram.
São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro, Belém e Curitiba foram o cenário das primeiras manifestações. Seu objetivo não era o confronto mas a denúncia e o constrangimento dos torturadores e criminosos da repressão política da ditadura militar, explicou Lira Alli, uma militante do protesto em São Paulo. O movimento se contrapõe ao manifesto dos militares da reserva contra a Comissão da Verdade e quer a mobilização da juventude em defesa dela. Outro porta-voz do movimento em São Paulo, o acadêmico da Faculdade de Direito da USP Caio Santiago, concorda que o objetivo é pressionar pela Comissão da Verdade, e também expor publicamente os responsáveis por crimes cometidos contra os lutadores pela democracia e pelo progresso social que resistiram à ditadura. “A gente veio para dialogar com quem trabalha com o acusado de tortura”, disse ele, e expor, constranger e denunciar o torturador perante as pessoas que convivem com ele.
A juventude toma a história nas mãos e exige a investigação dos porões da ditadura. Este não será um 31 de março de abertura fácil para os órfãos da ditadura de 1964. Fiel aos compromissos, sonhos e projetos de seus pais, tios, irmãos, dirigentes políticos, amigos, que ousaram enfrentar a tirania e pagaram um alto preço de sangue para resistir contra o arbítrio, eles empunham suas bandeiras históricas e tomam as ruas para limpar a nódoa que mancha a história do país e criar as condições para que, com a exposição da verdade, e com base nela, os brasileiros possam se reconciliar com sua história.
Para isso, convocam “a juventude e toda a sociedade” para esta tarefa e “em defesa da Comissão Nacional da Verdade” proclamam: “Até que todos os torturadores sejam julgados, não esqueceremos, nem descansaremos”.
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